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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Mais de 100 mil órfãos de pátria


Mais de 100 mil órfãos da pátria, precocemente ceifados pela Covid-19. Talvez seja razoável falar em órfãos do governo, ou melhor, órfãos do atual governo. Cem mil que não representam apenas uma cifra, e sim nomes, rostos, vidas, lutas e sonhos interrompidos, famílias enlutadas. Olhares e sorrisos que se apagaram. Certo, a memória de quem espalhou a boa semente sobre a face da terra jamais se extingue. Mas a separação é sempre dolorida e clama ao céu. E grita sobretudo quando tem consciência que milhares dessas mortes poderiam ser evitadas.

Como explicar tamanha tragédia? Por que a pandemia encontrou solo fértil no Brasil? E por que a sensação de que o flagelo poderia, sim, ser menor? Por que tanto sofrimento e tantas lágrimas engolidas e silenciadas, de modo particular entre os extratos mais pobres da sociedade? O que faltou, ou então o que sobrou por que do governo? Sobrou negligência, indiferença, e mesmo deboche e escárnio; faltou um gesto, uma palavra, um plano nacional de combate a esse inimigo invisível e, por isso mesmo, mais contagioso e letal.

Sobraram erros e discórdias, faltaram sentimentos primários e primordiais. Aqueles que, em todo mundo, entrelaçam corações e almas, mentes e espíritos. Os equívocos tiveram início com a falaciosa contraposição entre saúde e economia. Ambas andam de mãos dadas e não podem ser separadas. Um país saudável robustece a economia, da mesma forma que uma economia responsável revigora a existência e a confiança. Mas o desleixo não parou por aí! O Brasil tem sido um dos países que menos testam, o que equivale a um controle menor sobre o contágio e os óbitos. E mesmo com tão poucos testes, o país ultrapassou a marca de 3 milhões de infectados, juntamente com os mais de 100 mil mortos. Órfãos de um governo ausente, os quais, por sua vez, deixaram milhares de famílias igualmente órfãs. “E daí!”...

Certamente a história haverá de fazer o inventário completo e julgar seja o mutismo ostensivo e desrespeitoso do supremo mandatário, seja o barulho frequente e estridente por ele emitido no palácio do Planalto. Barulho feito de ruídos que repercutiram perfidamente em termos mundiais. Ruído raivoso e difamatório das fake news, fabricadas e divulgadas pelo “gabinete do ódio” e com dinheiro público; espetáculo bizarro e insistente sobre a famigerada cloroquina, remédio nunca recomendado abertamente pela ciência médica; estardalhaço imperdoável no Ministério da Saúde onde, em plena evolução da pandemia, nada menos do que dois ministros foram sumariamente dispensados, pelo simples fato der não concordarem com a receita apresentada pelo capitão como panaceia a todos os males.

Os historiadores, além disso, jamais poderão poupar as repetidas insubordinações do presidente Bolsonaro, no sentido de desrespeitar o uso da máscara e de provocar seguidas aglomerações no “cercadinho do Planalto”. Isso para sequer falar de sua cobertura aos atentados contra o poder Judiciário, contra o Congresso Nacional e contra as instituições e mecanismos democráticos em seu conjunto, como também de seus obsessivos ataques aos meios de comunicação social, aos cientistas, artistas, professores, etc. E que dizer da tentativa de esconder os números referentes aos infectados e vítimas fatais do novo coronavírus!

Menos ainda tais historiadores fecharão os olhos a um governo centrado não tanto nas urgências e necessidades básicas da nação brasileira, mas na defesa do grupo familiar e da seita de amigos e fanáticos. Para finalizar, vale uma pergunta nada cômoda: por que os cofres públicos (numa palavra, os cidadãos que pagam seus impostos devidamente) devem arcar com os altos custos de manutenção de um presidente, de um senador ou de um deputado cujos mandatos servem mais para a autodefesa diante dos procuradores e tribunais, ou para garantir a própria impunidade, do que para o bem-estar da população?

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 10 de agosto de 2020

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