PESQUISAR

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A FORÇA QUE BROTA NOS QUINTAIS DO SEMIÁRIDO

Dona Maria de Lourdes Silva Santos, 62 anos, é uma agricultora da comunidade de Canudos, localizada na cidade de Boqueirão-PB. Casada com o senhor José Severino dos Santos, juntos construíram uma família formada por 7 filhos, sendo cinco mulheres e dois homens. O mais velho é chamado Josuel Severino, 40 anos, que nasceu dois anos depois do casamento, e a mais nova chama-se Josicleide, tem 28 anos, e é aquela que acompanha Dona Lourdes na lida diária no campo. 

Seu José sempre trabalhou duro no roçado para o sustento da família e, apesar dos afazeres de casa, dona Lourdes sempre o ajudava nas tarefas do campo. Mas ainda não era o suficiente para as necessidades da família. Foi quando ela passou a trabalhar como doméstica fora de casa, demonstrando ser uma mulher de fibra. Mesmo assim, continuou ajudando seu José na agricultura e cuidando da casa e dos 7 filhos. Ela conta que sempre teve papel ativo no sustento da família. “Me sinto feliz, quanto mais eu trabalho, mais sinto gosto, o terreno é meu, as plantas são minhas, fico muito satisfeita”, relata dona Lourdes, que se considera mulher riquíssima por ter um bom casamento e uma família feliz.  

Durante muito tempo a agricultora viveu em casas alugadas ou emprestadas, enfrentando insegurança
e muitas dificuldades. Emocionada, faz questão de enfatizar a maneira como a família realizou o sonho de conquistar sua terra. Seguindo os conselhos da irmã Maria Silva, dona Lourdes vendeu as poucas coisas que tinha, para pagar parte do terreno que, até então, pertencia ao seu cunhado. Com as economias que arrecadava criando porcos e cabras, foi lutando e durante cinco anos construindo sua casa, a qual ela chama carinhosamente de “meu ranchinho”. “Ainda não está acabada, mas estou satisfeita, graças a Deus, porque eu sofri muito com 7 filhos na casa dos outros”, explica dona Lourdes.

Atualmente, a agricultora vem  produzindo diversas hortaliças, leguminosas, fruteiras, cultivando sementes e criando algumas aves, utilizados no consumo da família, distribuídas entre a vizinhança e ainda comercializados na Tenda Agroecológica do Cariri – Boqueirão/PB. A atenciosa dona Lourdes dedica-se em especial ao cultivo de ervas medicinais para cura de diversos males de todos da casa e dos amigos. “Se tivesse água aqui tinha mais coisas, porque onde tem água tem vida”, lembra dona Lourdes. 

A família conquistou junto ao Programa Um Milhão de Cisternas - P1MC uma cisterna de placas de 16 mil litros para consumo humano e com o Programa Uma Terra e Duas Águas - P1+2, uma cisterna-calçadão de 52 mil litros, possuindo ainda um barreiro feito pela própria família, tudo para a convivência com a estiagem e água para produção. Sobre essas tecnologias sociais, disse Dona Lourdes: “A Cisterna pra mim é o céu.”.

Dona Lourdes ainda relembra sua infância “Minha mãe tinha que coletar água em cacimbas para as necessidades da família”, disse ela. Mesmo assim aprendeu muito com sua mãe, e enfatiza “eu não abro mão desse conhecimento”. Aliás, aprender é algo que a anima muito, apesar de não saber ler, fala com gosto dos cursos e intercâmbios de que participa, valorizando os encontros, reuniões e cursos, além das visitas que recebe em sua casa com satisfação, “sempre que ensino, aprendo muito”, nos diz Dona Lourdes. E é por isso que ela espera trocar ainda muitas experiências com outros agricultores e agricultoras.

Na casa de Dona Lourdes, a distribuição da água para a produção é feita utilizando garrafas PET, as quais são cheias com a água da cisterna, levadas até as plantações onde tem suas tampas furadas e enterradas de forma a gotejar na raiz das plantas, a água de cada garrafa dura até três dias aguando. A agricultora planeja ter um sistema melhor com mangueiras para o gotejamento.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

I FEIRA DA AGRICULTURA FAMILIAR DO INGÁ/PB

Acontecerá a I FEIRA DA AGRICULTURA FAMILIAR do Ingá, na próxima sexta-feira (14), na sede do SPM NE, localizada a Rua Antônio da Silva nº 53, bairro: Ananias em Ingá. 

A feira é uma realização da Central das Associações, na pessoa do Sr. Antônio Calú (Presidente da Associação), juntamente com o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e o Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste, com o apoio da Prefeitura Municipal de Ingá - Secretaria de Agricultura e EMATER local.
A ideia é de que a feira aconteça quinzenalmente, por famílias agricultoras da região do Ingá, comercializando vários alimentos saudáveis, produzidos sem agrotóxicos.
O objetivo é oferecer produtos saudáveis aos consumidores, como também ser uma forma de comercialização da produção agroecológica dos agricultores e agricultoras da região.
Na feira serão comercializadas hortaliças, frutas, ovos, entre outros produtos da agricultura familiar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"O agricultor passou a ter ousadia"

Verônica Pragana - Asacom
22/10/2014
Imagine uma comunidade que, ao longo de 12 anos, passou a ter acesso à água potável para beber e produzir alimentos (água de comer), recebeu eletricidade, as casas deixaram de ter chão batido e o piso ganhou cerâmica, os homens e mulheres tiveram acesso a crédito mais facilitado para investir na sua criação animal e diversificar o plantio para além do milho, feijão e mandioca cultivadas no inverno. Outra conquista deste período tem a ver com mobilidade rural tanto pela melhoria das estradas que levam aos povoados, quanto pelo aumento do poder aquisitivo da população que passou a contar com a rapidez e comodidade das motos e carros. Esta situação é realidade não apenas para uma, mas para milhares de comunidades rurais cravadas no Semiárido brasileiro.

Ontem (21) pela manhã, mais de 50 mil pessoas, que vivem em comunidades rurais com essas e outras conquistas, localizadas em todos os estados do Nordeste e mais Minas Gerais, vieram a Juazeiro e Petrolina, no Sertão do São Francisco. Todos manifestaram, através da ocupação pacífica das ruas e praças, a mudança que suas vidas passaram. A multidão também mostrou que não aceita mais retrocessos com relação às políticas públicas direcionadas para a agricultura familiar na região semiárida.

"A partir de Lula, foram tantas conquistas que é difícil falar”, afirma Seu Felizvaldo, de Sobral, no Ceará 
“A partir de Lula, foram tantas conquistas que é difícil falar”. Essa foi a primeira frase dita por seu Felisvaldo Pereira Lima quando questionado sobre as mudanças ocorridas nos últimos 12 anos na comunidade rural onde mora e na sua vida.  Agricultor familiar agroecológico, como fez questão de ressaltar, assentado da reforma agrária e líder sindical, seu Felisvaldo percorreu de ônibus mais de 1.260 km para chegar em Juazeiro, na Bahia. Ele mora e produz na agrovila Recreio, no município de Sobral, no Ceará. A sua viagem foi longa pelo Semiárido adentro até chegar em Juazeiro para participar com alegria do ato público.

Organizada pelos movimentos sociais que lutam pelo fortalecimento da agricultura familiar no Semiárido, a manifestação também levou à Petrolina a candidata Dilma Rousseff, a ministra Tereza Campello, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e do ex-ministro Miguel Rossetto, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, além do governador da Bahia, Jacques Wagner. 

Seu Felisvaldo – Ainda na concentração da caminhada de Juazeiro para Petrolina, seu Felisvaldo organizou uma longa lista de avanços conquistados nos últimos 12 anos não só pela sua comunidade, como por todo município de Sobral. O primeiro ponto que destacou foi a reforma agrária. “Antes, Sobral tinha só quatro assentamentos, a partir do governo Lula ficamos com 26, que recebem assistência técnica”, sustenta ele, cuja família divide com outras 352 da agrovila Recreio uma área de mais de 59 hectares desapropriada de um latifúndio.

Para quem passou pela pior seca dos últimos 30 anos, seu Felisvaldo destacou com sorriso nos lábios que conseguiu manter sua produção de hortaliças e conta o segredo: “Em toda a minha área, faço captação de água da chuva.”

"Uma das primeiras políticas que chegou na comunidade foi as cisternas", conta Jacimeire, agricultora e liderança da comunidade Barro Vermelho
Da região de Feira de Santana
 - Da comunidade rural de Barro Vermelho, no município de Baixa Grande, na Bahia, veio Jacimeire Paula da Silva, agricultora familiar e presidente da Associação Barro Vermelho. Com jeito espontâneo, Meire, como é conhecida, assegurou que na agricultura só teve "maravilha" nos últimos anos. “O agricultor passou a ter ousadia. Se antes não saia nem pra ir na feira porque não tinha dinheiro, hoje entra com classe no mesmo lugar da madame e sai com classe.”

“Uma das primeiras políticas que chegou na comunidade foi as cisternas. Antes, era difícil ter água para beber. A gente bebia água de barreiro, às vezes até com sapo morto dentro, quando tinha perto da comunidade. Algumas vezes, tínhamos que pegar água na cidade, andando 5 km pra ir e mais 5 km pra voltar.”

Meire também destacou a importância do crédito e chamou de “caçulinhas” as tecnologias que guardam água para produção de alimentos, porque foram as últimas conquistas da comunidade. “Com elas, produzimos alimentos para comer e vendemos o excedente para o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]. A Associação de Barro Vermelho vendeu para o PAA no último projeto R$ 110 mil, envolvendo 60 agricultores e agricultoras.”

Do Norte de Minas Gerais e do Vale de Jequitinhonha, veio uma comitiva de 150 pessoas. Entre eles, Jorge Rodrigues Pereira, coordenador estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e presidente da Cáritas Diocesana de Almenara. “Se comparar com o tempo de FHC [Fernando Henrique Cardoso], muita coisa melhorou. Hoje, não andamos mais a pé, nem a cavalo. Hoje, todos têm moto e carro. As casas não são mais de chão batido, o piso é de cerâmica. Minas não avançou na reforma agrária, mas a repressão policial mudou, não há tanta violência como antes.”

Fonte: http://www.asabrasil.org.br/ 

"Estamos aqui porque não vamos admitir retrocesso no Semiárido"



Participantes do ato público coloriram as ruas Juazeiro e Petrolina de vermelho | Fotos: Érica Daiane/Irpaa


“Nós estamos aqui, presidenta Dilma, porque nenhum nordestino, nenhum sertanejo, nenhum caatingueiro, nenhum quilombola, nenhum ribeirinho, nenhum pescador vai admitir qualquer retrocesso no Semiárido”. Esta foi a afirmativa que a presidenta Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ouviu de Maria Cazé, dirigente nacional do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), ontem pela manhã (21), em Petrolina (PE).
A vinda da presidenta atendeu a um chamado de mais de três mil organizações que integram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e de diversos movimentos sociais que se juntaram em defesa da continuidade das políticas que vêm favorecendo a população do Semiárido nos últimos 12 anos. Mais de 50 mil pessoas participaram do Ato, que teve início na Orla de Juazeiro e finalizou na praça da catedral de Petrolina, onde os organizadores do evento montaram um palco para que a multidão ouvisse o pronunciamento de representantes da ASA, dos movimentos sociais e de Dilma Rousseff.
Para chegar ao lado pernambucano, as/os militantes caminharam pela Ponte Presidente Dutra. Com bandeiras, cartazes, camisas, adesivos e gritos de ordem, a multidão fazia questão de expressar o apoio à reeleição de Dilma, considerando os avanços em diversos setores.
Depois do reconhecimento das conquistas, Naidison  aponta o que precisa avançar no Semiárido | Foto: Áurea Olímpia
O acesso à água, a distribuição de renda e o acesso ao ensino superior foram destaques nas falas nas ruas e nos palcos durante o Ato. “Nós temos possibilidade de moradia, nós temos água, nós temos assistência técnica, nós temos crédito. Nós temos uma gama imensa de programas e políticas, presidenta, que mudaram a realidade de vida dessa população. O que nós queremos é que estas coisas todas continuem”, disse Naidison Quintella, da Coordenação Executiva da ASA. Mas, ao declarar o apoio, Naidison também trouxe reivindicações pactuadas por todos os movimentos envolvidos: “Nós queremos também expressar alguns desejos e alguns sonhos que ainda temos em relação ao Semiárido”, citando anseios como uma Reforma Agrária adequada ao Semiárido, a garantia dos territórios das comunidades tradicionais, a revitalização do rio São Francisco, mais crédito para a Agricultura Familiar e a diminuição do uso de agrotóxicos “que contaminam as nossas vidas.”

Em seu pronunciamento, a presidenta Dilma disse se orgulhar das conquistas ressaltadas nas falas e da parceria com os movimentos sociais e a ASA. Pontuou também que, no Brasil, não havia oportunidade, “agora, junto com a garra, o esforço e com a luta de cada um que defendia uma vida melhor para a sua família, o governo garante oportunidades”. Ela leu bilhete enviado por eleitora e ergueu painel pintado durante a mística do ato por grafiteiros do Levante Popular da Juventude, que mostrou dois momentos históricos do Semiárido representados pela imagem de uma mulher com a lata d'água na cabeça e de uma casa com cisterna de consumo humano. Dilma destacou ainda os investimentos na educação, se comprometendo em dar continuidade.
O Ato contou com a participação de caravanas de todos os estados que integram o Semiárido brasileiro: Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Ceará, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Maranhão e Minas Gerais. Estavam representados/as agricultores/as, sindicatos e federações de trabalhadores/as, movimento estudantil, pastorais, grupos de jovens, prefeituras, partidos políticos, organizações do campo e da cidade.

Fonte: Comunicação IRPAA - Portal ASA BRASIL - 22/10/2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

V SEMINÁRIO DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO E DEGRADANTE

O Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste/SPM NE em parceria com a Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, realiza nos 21, 22 e 23 de outubro o V Seminário Regional de Combate ao Trabalho Escravo e Degradante. O evento acontecerá no Centro de Humanidades da UEPB, localizado na cidade de Guarabira.  

O Seminário que tem como tema “Mundo do Trabalho, Tráfico de Pessoas e Migração” objetiva divulgar, alertar e conscientizar a sociedade, da existência de Trabalho Escravo e Degradante em todo o território nacional e de modo específico na Paraíba, busca ampliar e divulgar experiências de Combate ao Trabalho Escravo, com troca de experiências entre instituições públicas e privadas que possam contribuir para erradicação do Trabalho Escravo e Degradante, além de intensificar a articulação entre Pastorais, Universidades e Procuradorias do Trabalho dando agilidade e segurança aos trabalhadores que tiveram seus direitos violados.

O V SEMINÁRIO DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO E DEGRADANTE, que tem uma estimativa de 200 participantes, conta com as parcerias da UFPE, Comissão Pastoral da Terra e do Ministério Público do Trabalho e terão como debatedores dos temas desde Professores Universitários, membros do ministério público até trabalhadores rurais que já trabalharam em condições degradantes e ou análogas ao trabalho escravo.
 

 
 

 


 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Eva e a paixão pelo semiárido

Eva e seus filhos, Lucas e Laura. Foto: Juliana Michelle/SPMNE
A agricultora Eva Vilma de Macedo Barbosa, 34 anos, reside na comunidade Taboado de Cima, a 8 km do centro de Boqueirão/PB. Filha de pais agricultores, a mais nova entre dez filhos/as, Eva é apaixonada pela vida do campo e desde criança contribui com as atividades agrícolas. Foi ajudando seus pais que ela adquiriu muitas experiências, que carregará consigo para toda a vida. Casada com Jocelino Pereira Barbosa, Eva tem dois filhos, João Lucas de nove anos e Ana Laura de quatro anos. Durante seis anos moraram na casa de seus pais, devido às dificuldades da vida. Trabalhando dia a dia, o casal conseguiu comprar um pedaço de terra de cinco hectares, próximo à família, mas quando estavam prestes a mudar para sua casa, seu pai faleceu e somente após seis meses puderam concretizar o sonho, levando junto sua mãe, dona Josefa Andrade. 

Jocelino trabalha como segurança, na cidade de Campina Grande/PB e Eva tem uma rotina movimentada na agricultura. Faz todas as tarefas domésticas, se dedica aos seus dois filhos e ao arredor da casa. Cria 30 galinhas, colhe ovos todos os dias, cuida de 10 cabras e 10 cabritinhos e tem uma boa produção de queijo feito com o leite de cabra. Além disso, cuida das plantações de batata e macaxeira, bem como das fruteiras, que possibilitam uma alimentação saudável para toda família. “Tenho uma terra muito boa e tudo que planta dá” – diz Eva. Em breve, com o apoio do programa uma terra e duas águas (P1+2), pretende ter uma horta, de onde possa garantir a alimentação da família. E acrescenta: “O que tenho vontade vou plantar quando a água chegar, se Deus quiser”. 

    A partir de uma visita de representantes da Associação do Coletivo ASA Cariri Oriental (CASACO), Eva resolveu fazer parte da associação e transformar sua vida e de sua família. Vivendo com a renda de apenas um salário mínimo do esposo, que teve que migrar do campo para a cidade, a obstinada Eva começou a mudar essa realidade. Agricultora experimentadora, participa do GT de Mulheres e busca se fazer presente em todas as reuniões da associação e dos agricultores da região. Valoriza muito essa troca de experiências e os cursos de formação oferecidos pelos programas, como é o caso da capacitação em Gestão de Água para Produção de Alimentos (GAPA), que participou recentemente, onde aprendeu muitas coisas novas. “Quem faz parte dos agricultores experimentadores, tanto aprende quanto repassa o que sabe.” – deixa claro Eva.

       
Queijo produzido por Eva.
E é por isso que agora ensina outras pessoas a produzir o queijo do leite de cabra. Vale dizer que essa prática foi herança de seu pai, que tinha uma criação muito grande de vacas e fazia queijo para vender. A produção do queijo de leite de cabra vem dando tão certo que atualmente Eva vende uma média de 8 kg por semana e nos diz que “pra quem não tinha renda nenhuma, fico bastante feliz em ter conseguido isso”. Aos poucos começou a expandir sua criação e produção: as 10 cabras já procriaram e em breve a produção de queijo deverá aumentar. “Como eu gosto de fazer não me dá trabalho, uma coisa pra dar certo tem que gostar” – enfatiza ela. A família já conquistou a primeira cisterna pelo programa um milhão de cisternas (P1MC), e agora está chegando mais uma tecnologia social, uma cisterna calçadão, através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executado pelo Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste (SPM NE), em parceria com o CASACO.

Na casa de Eva todos estão felizes com mais essa conquista, pois ela trás a certeza de que com água armazenada é possível manter e até ampliar a produção e a criação. “Quando tiver mais água vou plantar mais e dará muito bem para viver tranqüilo aqui. Se Deus quiser a gente consegue, aos poucos, buscando melhorias” – nos afirma a agricultora, com um largo sorriso.

Eva e seus filhos, Lucas e Laura. Foto: Juliana Michelle SPMNE
        Eva deseja também criar porcos, porque com isso não perderá mais o soro da produção do queijo. Vai organizar seu espaço e colocar os animais cada um no seu lugar. Todos esses esforços e dedicação são para garantir melhor qualidade de vida e segurança alimentar e gerar mais renda para a família, o que possibilitará a volta do seu esposo para a agricultura. Jocelino trabalha na cidade porque se vê obrigado, mas o que gosta mesmo de fazer é mexer com a terra e com os bichos, por isso pretende voltar o quanto antes para o seu lugar e Eva acredita que com a chegada do P1+2 esse sonho está perto de se realizar. Com muita paixão pelo semiárido e amor pelo seu cantinho de viver, ela lembra que atualmente nas comunidades rurais se tem mais conforto e diferentemente do passado, hoje tem água, tem cisterna na frente de casa, tudo que se precisa para viver bem e feliz. Finaliza dizendo: “Não troco isso aqui por nada e não dou por dinheiro nenhum”.



segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Encontro Nacional de Agricultoras Experimentadoras em Lagoa Seca/PB




Acontecerá na próxima terça-feira (23) e quarta-feira(24) de Setembro de 2014, no Convento Ipuarana na cidade de Lagoa Seca-PB, o I Encontro Nacional de Agricultoras-Experimentadoras. Estarão reunidas mais de 100 mulheres agricultoras de todos os estados do Semiárido, para debater sobre o tema: "Celebrando conquistas na trajetória da ASA". O evento está sendo realizado pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), que completa 15 anos de trajetória e conquistas no semiárido brasileiro. O objetivo é valorizar e dar visibilidade ao conhecimento e as capacidades das mulheres agricultoras e suas formas de inserção na organização do trabalho da agricultura familiar, além de construir coletivamente caminhos para superação das situações de desigualdade.
 
Programação:

23 de setembro
8h – Abertura
8h30 – Peça “A vida de Margarida”
9h30 – Debate sobre as desigualdades
12h30 – Almoço
13h30 – Caminhos de superação – divisão sexual do trabalho dentro da propriedade
15h30 – Trabalho em grupo
Temas: Manejo da água nos quintais; Diversificação produtiva dos arredores de casa; Sementes da paixão; Pequenos criatórios e Acesso aos mercados.
19h – Jantar
19h30 – Feira Guardiãs da Biodiversidade e Noite Cultural

24 de setembro
7h30 – Visitas de Intercâmbio
Temas: Manejo da água nos quintais; Diversificação produtiva dos arredores de casa; Sementes da paixão; Pequenos criatórios e Acesso aos mercados.
14h – Impressões das visitas: O que vi e o que vou levar para casa
14h30 – Qual o significado de ser Agricultora-experimentadora?
16h30 – Mística de encerramento

TU ME CHAMAS CLANDESTINO

Tu me chamas clandestino
porque estás do lado de lá da fronteira;
do lado de cá, porém,
sabemos que todos somos cidadãos de uma única pátria.

Tu me chamas clandestino
porque conheces a língua do lado de lá;
do lado de cá, porém,
entendemos a linguagem do amor e da solidariedade.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá te instalaste comodamente;
do lado de cá, porém,
somos errantes de todos os caminhos.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá tens os papéis em ordem;
do lado de cá, porém,
o único documento necessário é o rosto humano.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá tens nome e sobrenome de vencedor,
do lado de cá porém,
buscamos um mundo sem vencedores nem vencidos.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá contas com a proteção da lei;
do lado de cá, porém,
contamos com a fé, a esperança e a coragem.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá temes pelo teu patrimônio;
do lado de cá, porém,
sonhamos somente com um lugar ao sol.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá ergueste a fortaleza de teus iguais;
do lado de cá, porém,
não há maior nem menor, somos todos irmãos.

Tu me chamas clandestino
porque do lado de lá pensas construir um muro de separação,
do lado de cá, porém,
lutamos para abater todos os muros e construir pontes.


Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS Roma, 17 de setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Caso Ana Alice: dois anos após o crime, família ainda aguarda julgamento dos culpados


Nesta sexta-feira, 19 de setembro, dois anos após o crime que vitimou a jovem agricultora de 16 anos, Ana Alice de Macedo Valentin, do município de Queimadas, Agreste Paraibano, sua família e seus amigos ainda aguardam o julgamento do culpado, Leônio Barbosa de Arruda, preso no final de 2012.
Ana Alice era militante do Pólo da Borborema e no dia 19 de setembro de 2012, quando voltava da escola, foi sequestrada e barbaramente violentada. Seu corpo foi enterrado na Zona Rural do município de Caturité, só sendo encontrado 50 dias após o crime. Desde o desaparecimento da jovem, foi formado o Comitê de Solidariedade e pelo Fim da Violência Contra a Mulher Ana Alice, composto por mais de 30 organizações rurais e urbanas. Foi por meio da pressão e da mobilização criada em torno do Comitê, que o caso Ana Alice pode ser investigado e solucionado, com a prisão dos envolvidos. O mentor e mais um adolescente, que teve participação no crime, está respondendo a processo para apuração de ato infracional.

Segundo Claudionor Vital, um dos advogados da família de Ana Alice que acompanha o caso, o processo criminal está aguardando a sentença de pronúncia por parte do juiz Antonio Gonçalves Ribeiro Junior, da 1ª Vara Mista de Queimadas, a quem cabe a condução dos processos para apuração dos crimes de competência do Tribunal do Júri. “Pelas provas existentes, estamos confiantes que o réu seja pronunciado e submetido ao Júri Popular”, afirma o advogado.

Entre os familiares, a expectativa é que o réu receba uma punição exemplar: “Esperamos que ele receba a pena máxima, até porque a gente precisa disso para se sentir segura e também para servir de exemplo para outros marginais. Infelizmente o que aconteceu com Ana Alice já aconteceu, mas a gente pode evitar que aconteça com outras mulheres”, desabafou Angineide Macedo, mãe de Ana Alice.

Em 2013, uma mobilização que reuniu mais de 300 pessoas em Queimadas, lembrou o assassinato da jovem. O objetivo foi o de chamar a atenção da sociedade para a necessidade de medidas pelo fim da impunidade dos crimes de violência contra a mulher. Foi feita uma caminhada com uma parada em frente ao Fórum da Comarca do Município, onde estava sendo realizada uma das audiências do caso e no final, um ato público, no Centro da cidade. A este movimento se juntaram as famílias de Isabella Pajuçara e Michelle Domingues, as duas mulheres assassinadas em fevereiro de 2012, após o bárbaro estupro coletivo ocorrido também em Queimadas. No dia 25 de setembro, Eduardo dos Santos Pereira, acusado de planejar o crime e último envolvido a ser julgado, vai a Júri Popular na capital do estado, João Pessoa.

Uma mobilização como a de 2013 deve acontecer no dia 7 de novembro, data do sepultamento de Ana Alice e lembrando todas as mulheres vítimas de violência no estado. Neste dia 19 de setembro, às 19h, ocorrerá uma missa em memória de Ana Alice, na Capela da Comunidade Caixa D’água, celebrada pelo Padre Ivanilson, Pároco de Queimadas.

O caso - Ana Alice foi sequestrada quando voltava para casa depois da aula, sendo estuprada e violentamente assassinada pelo vaqueiro Leônio Barbosa de Arruda, à época com 21 anos. Seu corpo foi enterrado próximo a residência do assassino, na fazenda onde ele trabalhava, na zona rural do município de Caturité. A adolescente permaneceu desaparecida até que nas imediações de sua comunidade, uma nova mulher foi raptada e violentada, sendo encontrada apenas no dia seguinte com marcas de esganadura, inúmeras escoriações e amputação parcial da orelha direita. Ainda muito traumatizada, ela foi capaz de reconhecer o criminoso (e vizinho) e o denunciou à polícia com a ajuda do Comitê de Solidariedade Ana Alice. Graças ao empenho do Comitê e à coragem desta vítima, o assassino foi preso e confessou o crime contra sua vizinha e contra Ana Alice. Confessou inclusive que, no crime contra Ana Alice, não agiu sozinho, teve a ajuda de um cúmplice, à época, menor de idade.

Ana Alice e a outra mulher, não foram as únicas vítimas. No início de 2012, ao sair de um baile de carnaval, ele violentou uma jovem de Boqueirão. De posse de uma arma, obrigou que ela entrasse em seu carro e a estuprou. Um mês depois, após prestar depoimento do primeiro caso na delegacia desse município, tentou fazer nova vítima também em Boqueirão, agora uma adolescente de 14 anos que teve sorte diferente, quando um amigo a libertou da tentativa de estupro.

Fuga - O assassino encontra-se preso no Complexo Penitenciário de Segurança Máxima Romeu Gonçalves de Abrantes, mais conhecido como PB-1, em João Pessoa. Ele foi transferido para esta unidade prisional este ano depois de ter fugido do Presídio do Serrotão em Campina Grande, onde aguardava julgamento. 10 dias depois da fuga, e depois de muita pressão por parte do Comitê Ana Alice, o preso conseguiu ser recapturado, no mês de abril de 2014.

http://patacparaiba.blogspot.com.br/2014/09/caso-ana-alice-dois-anos-apos-o-crime.html

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Encontro Nacional de Comunicação: comunicação popular e comunitária no Semiárido

Foto: Juliana Michelle - Comunicadora Popular SPMNE - ASA
A rede de Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), realizou nos dias 09, 10 e 11 de Setembro de 2014, em Gravatá/PE, o Encontro Nacional de Comunicação, onde estiveram reunidas mais de 150 pessoas, entre comunicadores e comunicadoras, assessores/as técnicos e pedagógicos, coordenações estaduais, além de alguns convidados.

O Encontro Nacional de Comunicação, trouxe como tema central Comunicação Popular e Comunitária no Semiárido e teve uma programação diversa, cheia de debates, considerações, oficinas e partilha de experiências.

Entre tantos momentos importantes, ressaltamos no primeiro dia de realização do encontro a mesa de debates, a qual contou com a participação da professora pesquisadora, Cícilia Peruzzo (Universidade Metodista/SP), e o membro da Coordenação Executiva da ASA na Bahia, Naidison Baptista, entre outros aspectos ressaltaram a comunicação como direito humano e englobaram reflexões acerca do trabalho da comunicação comunitária e popular no semiárido.
Foto: Juliana Michelle - Comunicadora Popular SPMNE - ASA
No segundo dia do evento, a grande plenária dividiu-se para junto a alguns coletivos de comunicação convidados, realizar as sete oficinas de comunicação, que tinham os seguintes temas:  redes sociais, produção colaborativa, rádio, stencil, comunicação indígena e etnomídia, fotografia, vídeo e apropriação tecnológica em comunidades tradicionais.
O encontro contou com a colaboração de Valquíria Lima (ASA/Minas Gerais) que compôs a mesa de debates na tarde do segundo dia para discussão sobre a comunicação no contexto atual, seus desafios e perspectivas.

Foto: Juliana Michelle - Comunicadora Popular SPMNE - ASA


Durante toda a programação o encontro debateu a questão da democratização da comunicação, assim como o fortalecimento da comunicação enquanto rede ASA, envolvendo os demais envolvidos nos processos da ASA, assim como, também reforçando o potencial das redes populares de comunicação no semiárido.



NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

V Seminário Regional de Combate ao Trabalho Escravo e Degradante: Mundo do Trabalho, Tráfico de Pessoas e Migração

21, 22 e 23 de Outubro de 2014 – UEPB/Guarabira

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO NA TENDA DE SABERES:

1) CRONOGRAMA:
a) De 15 de setembro a 15 de Outubro de 2014 – Inscrições: Envio da ficha de inscrição para o e-mail: seminariotrabalhoescravo2014@gmail.com;

b) De 15 de setembro a 05 de outubro de 2014 – envio do trabalho completo para o e-mail:



2) MODELO DE FORMATAÇÃO DO TRABALHO:

O trabalho deve ser formatado conforme as especificações abaixo:

a) O título do trabalho deve estar centralizado, em negrito, fonte Cambria, tamanho 12,
em caixa alta.
b) Os nomes dos autores e coautores devem estar logo abaixo do título, separados por um espaço simples, também centralizados, fonte Cambria, tamanho 12, com espaçamento simples.
c) Identificação da Instituição, Movimento Social ou da Unidade que está vinculado.
d) Texto completo entre 10 e 15 páginas, no máximo, para todas as modalidades.
e) Alinhamento justificado.
f) Espaçamento entre linhas 1,5.
g) Margens superior/inferior/esquerda/direita: 2,5 cm.

Citações:
h) As citações diretas com mais de três linhas devem ser transcritas em bloco separado do texto, com recuo esquerdo de 4 cm a partir da margem, justificado, com a mesma fonte do texto, em tamanho 10 e espaçamento simples.
Referências no texto:
Formato autor/data, exemplo: (ALCOFORADO, 2009, p. 223).
Notas de rodapé:
Cambria, corpo 10, alinhamento justificado.

OBS: Os trabalhos serão avaliados pela Comissão Científica, resultando em um total de 30 trabalhos que comporão o espaço da Tenda de Saberes. Destes, 05 serão selecionados para serem apresentados na mesa Espaço de Diálogo (dia 22/10, às 15H30).

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Encontro reunirá em Lagoa Seca Agricultoras-experimentadoras de diversas regiões da Paraíba

Agricultora-experimentadora

Acontecerá em Lagoa Seca nos dias 03 e 04 de setembro, próximas quarta e quinta-feira, o I Encontro Estadual de Agricultoras Experimentadoras da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba). O encontro tem como lema: “Celebrando conquistas na trajetória da ASA” e acontece no ano em que a Articulação do Semiárido Brasileiro completa 15 anos de atuação. 

O evento acontecerá no Convento Ipuarana e reunirá cerca de 100 mulheres agricultoras experimentadoras das regiões Alto e Médio Sertão, Curimataú, Cariri, Seridó e da Borborema. O objetivo do encontro é debater sobre as desigualdades entre homens e mulheres, valorizar e dar visibilidade ao conhecimento e as capacidades das mulheres agricultoras e suas formas de inserção na organização do trabalho da agricultura familiar, além de construir coletivamente caminhos para superação das situações de desigualdades.

O Encontro Estadual de Agricultoras Experimentadoras acontece em preparação para o Encontro Nacional de Agricultoras Experimentadoras, que acontecerá em Lagoa Seca, nos dias 23 e 24 de setembro, reunindo agricultoras de todo o Semiárido Brasileiro.

Seja o trabalho produtivo ou reprodutivo, bem como a economia gerada a partir dele, na maioria das situações, o trabalho da mulher permanece na invisibilidade para o conjunto da família. As agricultoras têm seu convívio social limitado, sendo privadas da participação nos espaços de debate público e decisão política, muitas vezes são impedidas de participar até das reuniões de sua comunidade, bem como dos eventos de formação da ASA. Além disso, as mulheres são submetidas a diferentes formas de violência, além da violência física, a mais aparente, sofrem inúmeras violências morais, tidas como comportamentos naturais dentro da cultura patriarcal.

Programação
03 de setembro, quarta-feira
08h – Abertura
08h30 – Vídeo A vida de Margarida
9h30 – Debate sobre as desigualdades
12h30 – Almoço
13h30 – Caminhos de superação
15h30 – Trabalho em grupo
Temas: Manejo da água nos quintais; Diversificação produtiva dos arredores de casa; Sementes da paixão; Pequenos criatórios e Acesso aos mercados
19h – Jantar
19h30 – Feira Guardiãs da Biodiversidade e Noite Cultural
4 de setembro, quinta-feira
7h30 – Visitas de Intercâmbio
Temas: Manejo da água nos quintais; Diversificação produtiva dos arredores de casa; Sementes da paixão; Pequenos criatórios e Acesso aos mercados
14h – Impressões das visitas: O que vi e o que vou levar para casa
14h30 – Qual o significado de ser Agricultora-experimentadora?
16h30 – Mística de encerramento

Fonte: http://aspta.org.br/ 

terça-feira, 1 de julho de 2014

Por que o novo decreto de Dilma não é bolivariano


O decreto 8243 institucionaliza uma política que já existe e aprofunda a democracia na medida em que aproxima a sociedade civil e o Estado
Por Leonardo Avritzer

Roberto Stuckert Filho / PR
Dilma Rousseff
Dilma em entrega de casas do Programa Minha Casa Minha Vida II, em outubro
A presidente Dilma Rousseff assinou, no último dia 21, um decreto que institui a Política Nacional de Participação Social. De acordo com o decreto “fica instituída” a política, “com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.
Com este objetivo o governo reforçou institucionalmente uma política que vem desde 2003, quando, ainda em 1º de janeiro, o ex-presidente Lula assinou a medida provisória 103, na qual atribui à Secretaria Geral da Presidência o papel de “articulação com as entidades da sociedade civil e na criação e implementação de instrumentos de consulta e participação popular de interesse do Poder Executivo na elaboração da agenda futura do Presidente da República...”
A partir daí, uma série de formas de participação foram introduzidas pelo governo federal, que dobrou o número de conselhos nacionais existentes no país de 31 para mais de 60, e que realizou em torno de 110 conferências nacionais (74 entre 2003 e 2010 e em torno de 40 desde 2011). Assim, o decreto que instituiu a política nacional de participação teve como objetivo institucionalizar uma política que já existe e é considerada exitosa pelos atores da sociedade civil.
Imediatamente após a assinatura do decreto iniciou-se uma reação a ele capitaneado por um grande jornal de São Paulo que, em sua seção de opinião, escreveu o seguinte: “A presidente Dilma Rousseff quer modificar o sistema brasileiro de governo. Desistiu da Assembleia Constituinte para a reforma política - ideia nascida de supetão ante as manifestações de junho passado e que felizmente nem chegou a sair do casulo - e agora tenta por decreto mudar a ordem constitucional. O Decreto 8.243, de 23 de maio de 2014, que cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), é um conjunto de barbaridades jurídicas, ainda que possa soar, numa leitura desatenta, como uma resposta aos difusos anseios das ruas.”
Assim, segundo o jornal paulista, o Brasil tem um sistema que é representativo e este foi mudado por decreto pela presidente. Nada mais distante da realidade.
Em primeiro lugar, o editorialista parece não conhecer a Constituição de 1988, que diz no parágrafo único do artigo primeiro: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ou seja, o legislador constituinte brasileiro definiu o país como um sistema misto entre a representação e a participação. Se é verdade que as formas de representação foram muito mais fortemente institucionalizadas entre 1988 e hoje, isso não significa que temos no Brasil um sistema representativo puro, tal como ele existe em um país como a França. Pelo contrário, a verdade é que o espírito da Constituição fica muito melhor representado a partir do decreto 8243, que institucionaliza uma nova forma de articulação entre representação e participação de acordo com a qual a sociedade civil pode sim participar na elaboração e gestão das políticas públicas. Mas, ainda mais importante do que restaurar a “verdade constitucional” é se perguntar qual sentido faz instituir um sistema de participação?
A resposta a esta pergunta é simples e singela. A temporalidade da representação está em crise em todos os países do mundo. Por temporalidade, deve se entender a ideia de que a eleição legitima a política dos governos durante um período extenso de tempo, em geral de quatro anos. Hoje vemos, no mundo inteiro, pensando em Obama nos Estados Unidos e Hollande na França, uma enorme mudança na maneira como a opinião pública vê os governos.
Temos um novo fenômeno que o filósofo francês Pierre Rosavallon classifica da seguinte maneira: a legitimidade das eleições não é capaz por si só de dar legitimidade contínua aos governos. Duas instituições estão fortemente em crise, os partidos e a ideia de governo de maioria. É sabido que a identificação com os partidos cai em todo o mundo, até mesmo nos países escandinavos onde ela era mais alta. É isso o que justifica a entrada da sociedade civil na política, não qualquer impulso bolivariano, tal como alguns comentaristas pouco informados estão afirmando.
A sociedade civil traz para a política um sistema de representação de interesses que os partidos não são mais capazes de exercer devido a sua adaptação a um sistema privado de representação de interesses e financiamento com o qual a sociedade não se identifica. O mais curioso é que ninguém mais do que os órgãos da grande imprensa adotam o exercício de mostrar como o poder da maioria pela via da representação não é capaz de legitimar o governo. Lembremos alguns exemplos recentes: a rejeição da nomeação do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara ou o apoio às manifestações populares pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013. Em todas estas questões o que esteve em jogo foi a capacidade da sociedade civil de apontar uma agenda para o governo. O que o Sistema Nacional de Participação faz é institucionalizar esta agenda reconhecendo que existe uma representação exercida pela sociedade civil.
Vale a pena desenvolver um pouco mais este ponto. A representação é uma autorização dada por uma pessoa para alguém atuar em nome dela. Este é o fundamento do seu exercício que existe em todos os países. Mas existe uma questão adicional que reside no fato da representação das pessoas se dar através de uma autorização ampla que não consegue alcançar temas que não são majoritários ou que têm uma agenda mais volúvel. Assim, o sistema representativo é sempre ruim para representar questões tais como direito das minorias ou temas importantes como o meio ambiente ou até mesmo políticas públicas como a de saúde. Exemplos sobre a incapacidade do Congresso Nacional de agir nestas áreas abundam no Brasil. Lembremos a incapacidade de votar a união homoafetiva, a ação afirmativa, de aprovar o Código Florestal, todas legislações com fortíssimo apoio na sociedade, mas que não conseguiram tramitar no Congresso devido a lobbies muito fortes. No caso da união homoafetiva e da ação afirmativa sua legalidade acabou sendo determinada pelo Supremo Tribunal Federal. No caso do Código Florestal este contou com um veto da presidente e mais uma medida provisória bastante polêmica no interior do Congresso. Todos estes episódios mostram que há uma incapacidade do legislativo de se conectar com a sociedade, devido à maneira como o sistema de representação opera no país. Em geral tem cabido ao Supremo preencher esta lacuna, mas o mais democrático e o mais adequado é um envolvimento maior da sociedade civil nestes temas por via de instituições híbridas que conectem o executivo e a sociedade civil ou a representação e a participação.
Este modelo, que está longe de ser bolivariano, está presente, na verdade, nas principais democracias do mundo. Os Estados Unidos tem o modelo de participação da sociedade civil no meio ambiente por meio dos chamados “Habitat Conservation Plannings”. A França tem o modelo de participação da sociedade civil nas políticas urbanas através de contratos de gestão nos chamados “Quartier Difficile”. A Espanha tem a participação da sociedade civil no meio ambiente através de “juris cidadãos”. A Inglaterra instituiu mini-públicos com participação da sociedade civil para determinar prioridades políticas na área de saúde.
Todas as principais democracias do mundo procuram soluções para o problema da baixa capacidade do parlamento de aprovar políticas demandadas pela cidadania. A solução principal é o envolvimento da sociedade civil na determinação de políticas públicas. A justificativa é simples. Ninguém quer acabar com a representação, apenas corrigir as suas distorções temporais em uma sociedade na qual o nível de informação da cidadania aumentou fortemente com a internet e as redes sociais e na qual os cidadãos se posicionam em relação a políticas específicas. Ao introduzir uma participação menos partidária e com menor defesa de interesses privados na política tenta-se reconstituir mais fortemente este laço. Assim, o que o decreto 8243 faz não é mudar o sistema de governo no Brasil por decreto e nem instituir uma república bolivariana. O que ele faz é aprofundar a democracia da mesma maneira que as principais democracias do mundo o fazem, ao conectar mais fortemente sociedade civil e Estado.
fonte: por Fórum de Interesse Público — publicado 10/06/2014 04:26, última modificação 11/06/2014 11:29