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sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Semiárido não pode pagar pela crise!

20 mil agricultores e agricultoras, indígenas, quilombolas e militantes de movimentos sociais de 10 estados reivindicam continuidade das políticas públicas de convivência com o Semiárido.


“Nós viemos aqui para dizer ao País e ao governo que o Semiárido existe e que nós temos direitos. Criamos a política de convivência com o Semiárido e mudamos a cara da região. Estamos aqui porque não aceitamos que se corte conquistas sociais. Que se corte dos bancos, do agronegócio, dos ricos, mas não tire do Semiárido”, destacou Naidison Quintella, coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado da Bahia, no ato público “Semiárido Vivo – Nenhum direito a menos! ”, realizado ontem, dia 17, nas cidades de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). A manifestação foi organizada por um conjunto de movimentos e organizações sociais entre eles a ASA, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Levante Popular da Juventude (LPJ) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
 Uma das principais reivindicações dos cerca de 20 mil agricultores e agricultoras, indígenas, quilombolas e militantes de movimentos sociais de 10 estados presentes era a garantia da continuidade e ampliação das políticas públicas de convivência com o Semiárido conquistadas nos últimos 12 anos e que agora estão ameaçadas por conta das crises econômica e política. Na pauta estava a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que sofreu cortes de 65% do orçamento previsto para 2015, e também da Água para todos, onde também houve uma severa diminuição na alocação dos recursos.
O número de tecnologias de captação de água de chuva implementadas em 2015 é o menor 12 anos. A paralisação dessas políticas ameaçam os direitos dos povos do Semiárido, entre eles o direito à segurança alimentar. Em alguns lugares da região semiárida, 2015 já é o quinto ano de seca, a diminuição do ritmo de implantação das políticas de convivência com o Semiárido imposto pelo ajuste fiscal pode ter um grande impacto nessa realidade.
“Conquistamos essas políticas e esses direitos depois de muita luta e não vamos abrir mão deles. Os agricultores e as agricultoras não vão pagar pela crise. Nós não construímos essa crise e não vamos pagar por ela”, afirma Yure Paiva, coordenador executivo da ASA pelo estado do Rio grande do Norte.  Além da retomada e intensificação das ações de convivência com o Semiárido, a mobilização também exigiu a imediata revitalização do Rio São Francisco, o assentamento imediato de todas as famílias acampadas na região, a suspensão da PEC 215 – que transfere do executivo para o Legislativo a demarcação de terras indígenas -, cortes nos programas sociais como Bolsa Família e Bolsa Estiagem. Essas pautas já haviam sido apresentadas a sociedade no documento Semiárido Vivo, lançado na última Conferência Nacional de Segurança Alimentar que aconteceu 3 a 6 de novembro em Brasília.
“Queremos frisar a importância de as organizações estarem unidas nesse momento, essa é sem dúvida, uma grande marcha que apresenta pautas concretas para o governo. É preciso estarmos na rua para manter os direitos já conquistados”, afirmou Doriel Barros, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape), também presente no ato.  Jaime Amorim, da direção nacional do MST, destacou a unidade entre as organizações e movimentos do campo nesse momento, “Não é fácil fazer o que estamos fazendo aqui, mobilizar tanta gente em projeto só. Nossas bandeiras estão unificadas e estamos aqui dizendo ao governo que os trabalhadores tem um projeto para o Semiárido. Que não vamos admitir os cortes na aposentadoria rural, no Bolsa Família e o fechamento das escolas do campo”. Quem também reforça esses aspectos é Elisangela Araújo da coordenação da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), “Para nós da Fetraf esse momento é fundamental. Todas as políticas que conquistamos foi na luta e agora estamos nas ruas pra defender as conquistas”, pontuou.
A revitalização do Rio São Francisco foi uma das pautas do ato | Foto: Ivan Cruz Jacaré
Maria Braga é agricultora ribeirinha e veio do município de Paulo Afonso na Bahia e conta que veio defender o que já conquistou como as cisternas e o Bolsa Família, mas também para defender o Rio São Francisco, “vemos todo dia o Rio sangrar por conta da irrigação, isso não pode continuar”, afirma. Segundo a Agência Nacional das Águas 76% das águas do São Francisco são usadas para irrigação. Naidison Quintella, afirma também se referindo ao São Francisco, “O Rio está morrendo porque seus afluentes estão morrendo. A convivência com o Semiárido não pode existir com o São Francisco morrendo”.
Solidariedade a Minas Gerais – Os participantes do ato público demonstraram inúmeros gestos de solidariedade ao povo mineiro atingido pelo rompimento das barragens de Santarém e Fundão, no município de Mariana, em Minas Gerais. O acidente, ocorrido no dia 5 de novembro, já comprometeu o abastecimento de água em 17 municípios, atingindo cerca de 800 mil pessoas, em decorrência da ação da mineradora Samarco controlada pelas multinacionais Vale e BHP Biliton. Acidentes e impactos da mineração acontecem de forma recorrente e quase não há responsabilização. “A tragédia de Minas é uma situação causada pelas mineradoras. Nós reivindicamos juntos que essas empresas sejam punidas”, disse Naidison Quintella, no ato público.
A mineração também está avançando sobre o Semiárido, o que traz o temor que desastres como esse aconteçam na região, além dos impactos cotidianos aos povos, comunidades e territórios onde estão localizadas. Entre esses impactos estão a remoção forçada de famílias, contaminação de rios e solo, desmatamento de áreas da Caatinga e os constantes acidentes de trabalho.
“O impacto do que aconteceu em Mariana não tem precedentes, ainda não se consegue calcular a extensão da tragédia para o meio ambiente e para a vida das pessoas. O desastre reflete um modelo de desenvolvimento onde o que importa é o lucro das empresas. Esse já é considerado o maior desastre ambiental do País e pouca coisa está sendo feita pelo governo. O povo está se mobilizando, mas a Samarco ainda não foi responsabilizada”, finaliza Valquíria Lima, coordenadora executiva da ASA pelo estado de Minas Gerais.

Fonte: Asa Brasil

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

20ª Romaria do Migrante

Há 20 anos Romeiras e Romeiros do agreste paraibano reúnem-se na cidade de Fagundes e caminham à Pedra de Santo Antônio relembrando e celebrando a vida e fé do povo migrante, com o tema Sociedade e Migração, por Direitos e Participação a 20ª Romaria foi realizada no dia 08 de novembro de 2015.

Vou convidar os meus irmãos trabalhadores
Operários, lavradores, biscateiros e outros mais
E juntos vamos celebrar a confiança
Nossa luta na esperança de ter terra, pão e paz, ê, ê
                                                                   Zé Vicente



A Romaria do Migrante nasceu, na década de 90, a partir da presença dos padres Escalabrinianos que acompanhavam os migrantes temporários, trabalhadores do corte de cana na sua dura jornada de trabalho na região de fronteira entre os Estados da Paraíba e Pernambuco. Hoje, ela é um momento tanto de denúncia da violação dos Direitos Humanos, quanto de celebração das lutas e conquistas das políticas públicas de convivência com o semiárido, da sociedade civil organizada, exemplo:  os programas Água para Todos – Programa Um Milhão de Cisternas, Programa Uma Terra e Duas Águas e Cisterna nas Escolas.


A 20ª Romaria do Migrante foi uma realização do Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste, da Diocese de Campina Grande e da Paróquia São João Batista.



segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O5 de novembro de 2015 em “Bento” Rodrigues (Mariana –MG)

A palavra solidariedade está sendo colocada em prática em terras das Minas Gerais. Um lugar pequeno, no meio do nada, como mineiramente e carinhosamente se fala, está em destaque em todos os tipos de mídia do Brasil. A natureza, que é obra de Deus, perde o seu encanto porque mãos humanas, em busca do lucro, estão maltratando-a. O ser humano também é obra da natureza divina, e o que se viu no dia 5 de novembro de 2015, no distrito de Bento Rodrigues, no município de Mariana, nas terras de Minas Gerais, provocou-nos e está nos provocando em dias que se seguem, após imagens que surgem, e fatos que são revelados. Pois, nós, seres humanos, não estamos cuidando de nós mesmos e da natureza com a dedicação e a responsabilidade a nós confiada. (Povoar a terra e dominá-la. Gn 9,7). A terra é nossa casa comum, e dominá-la não significa sacrificá-la, ou destruí-la.

Seria maravilhoso descrever o fato que envolveu uma região mineira com a habilidade poética de Drummond. Que pena! Não temos a habilidade poética e dialética do grande poeta, que se revoltou já na sua juventude com a devastação de sua terra natal – Itabira – quando lá se iniciou a exploração do minério em Minas Gerais, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce. Parece que episódios do passado não nos ensinaram nada! E, eis que Bento Rodrigues e povoados adjacentes são devastados, somem do mapa em fração de minutos, cobertos por uma grande quantidade de rejeito de minério, símbolo do domínio do capital que some e consome com vidas humanas. Impossível ser poético como Drummond, nestas horas.

Mas podemos nos indignar como ele, exigir que se faça justiça com os que usam do argumento que dão emprego, e sustento a muitas pessoas, e se julgam imunes a punições exemplares, favorecendo-se da benevolência de quem os fiscaliza ou os julga. São cerca de 750 barragens de rejeito nas Minas Gerais. Que benefícios elas trazem à população da região e brasileira como um todo? Ou são benefícios particulares? São fiscalizações regularmente?; Sérias ou de faz de conta? Caminhando pela região, constata-se que a população à beira do Rio Doce está em profunda tristeza. A cor de ferrugem se mistura em nossa mente como uma mancha de sangue. Há racionamento de água para milhares de pessoas nas cidades vizinhas que fazem a captação de água no Rio Doce. Este drama poderá permanecer por pelo menos uns 5 dias, se não ocorrerem chuvas com grande volume de água. Ademais, estamos no período da piracema que, por ironia do destino, não acontece, pois não há peixes migrando para fazê-la.

Que a justiça seja feita! Só assim catástrofes provocadas por mãos humanas, gananciosas do capital, não mais se repetirão, e as criaturas divinas, humanas ou não, jamais serão cobertas pelas sujeiras que o capital produz, que faz com que histórias, muitas histórias, sejam soterradas. Mas estas não desaparecerão da memória das pessoas atingidas, bem como a dignidade delas, por mais que sejam indenizadas, jamais será restabelecida em toda plenitude.

É com o olhar voltado para estes migrantes ambientais que vai a nossa palavra de conforto e solidariedade. Não desistam de viver, não deixem de sonhar, não deixem de querer e buscar a felicidade, pois foi por este motivo que Deus nos criou.

Repudiamos toda e qualquer tentativa de isenção de punição aos responsáveis pela barbárie cometida contra seres humanos e contra a natureza, uma vez que afetou não só os moradores de Bento Rodrigues. A lama da mancha do capital afetou os todos os moradores da bacia do Rio Doce. São milhões de peixes e outros animais aquáticos mortos. Milhões de seres humanos sem água, e com uma nódoa em suas histórias de dor, sofrimento, e angústias. Que os culpados não fiquem impunes, ou correremos o risco de cometer o pior pecado – o da omissão - que atenta contra a vida, a qual devemos defender em todas as suas formas e plenitude.

SPM – Serviço Pastoral dos Migrantes
São Paulo 09 de novembro de 2015

DO TERROR À ESPERANÇA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Medo, terror, perplexidade, comoção, indignação – eis alguns dos sentimentos que, de imediato, percorrem as veias do velho continente europeu. Somam-se a eles imagens de uma guerra não declarada, tão brutal e sangrenta, que inspira calafrios. “Um ato de guerra do Estado Islâmico (EI)”, diz o presidente francês, François Hollande. “Estamos no meio de uma terceira guerra mundial”, diz o Papa Francisco. “Um ataque não só contra contra Paris e a França, mas contra os valores de toda a humanidade”, dizem os representantes de várias nações.
Da mesma forma que o amor, a religião pode conduzir ao paraíso ou arrastar ao inferno. De fato, o amor eleva as pessoas aos sentimentos mais sublimes de carinho, ternura, bondade, etc... Mas também pode precipitá-las no abismo tenebroso do ciúme, do ódio e da vingança. Amar é uma forma de acordar os anjos que habitam nas entranhas do ser humano, de despertar os afetos, emoções e sentimentos mais profundos... Mas pode igualmente acordar os demônios ignotos e selvagens que dominam o labirinto obscuro de cada pessoa, desencadeando os chamados crimes passionais.
Não é diferente com a religião. Por um lado, faz erguer o olhar ao alto, abrir o coração ao outro e a mente ao sobrenatural; alarga o espírito e a alma, em comunhão com “o bom, o justo e o belo”; une e congrega os fiéis na busca de ideais comuns; estabelece uma ponte entre o céu e a terra, na tentativa de transformar a história de cada um e de todos no primordial “paraíso perdido” ou na nova “terra prometida”. Por outro lado, traz embutido em seus ritos, fórmulas, credos, expressões, dogmas e discursos o vírus do “fundamentalismo” ou do “totalitarismo”. Dois conceitos que podem receber roupagem política, ideológica, racial ou religiosa. Ambos, especialmente quando se trata do âmbito do sagrado, lidam com valores absolutos. É justamente aí que mora o maior perigo. Quando as coisas se absolutizam em tal modo, “se eu estou com a verdade e você está no erro, em nome de Deus você deve ser eliminado da face da terra”.
Da mesma forma que o totalitarismo político e racial, durante a Segunda Guerra Mundial, conduziu à “solução final”, às câmaras de gás, ao holocausto; e que o totalitarismo político e ideológico levou ao paredão de fuzilamento, à perseguição, à prisão e ao extermínio em masa dos opositores, ou aos campos de trabalhos forçados, “gulag” – o totalitarismo religioso, ou fundamentalismo, instala a “guerra santa”, a qual, ao longo dos séculos, contagiou não poucas religiões, semeando terror, fogueiras e cadáveres por toda parte... Em nome de Deus, tudo é permitido! Procura-se, com isso, justificar a barbárie e o puro simples massacre com o manto divino.
Paris, a França e a Europa estão feridas, ensanguentadas, dilaceradas. O “11 de setembro francês”, como alguns já batizaram os atentados de 14 de novembro, golpeou a vida de inúmeras pessoas e famílias. Mas, se de um lado o terrorismo fere, abala e sacode o coração e a alma de todo um povo, de outro lado, por mais paradoxal que pareça, e em contraposição à via sanguinária da vingança, reforça a fé e a esperança na cultura dos direitos humanos, da democracia em todas as suas consequências, dos valores de solidariedade e fraternidade.
Restam, porém, algumas perguntas. Até que ponto o estilo de vida europeu, particularmente entre os jovens, não é hoje sinônimo de fatuidade, vácuo e vazio, que leva a extremismos desse gênero? Até que ponto o velho continente não está colhendo a tempestade de ventos semeados ao longo  da colonização e do eurocentrismo? E o que é mais grande: até quando a produção e comercialização de armas seguirá incólume, patrocinada sobretudo pelos países ricos. Os disparos e explosões que atingem barbaramente a população civil fazem refletir seriamente sobre a fabricação de tais armas e sobre os lucros fabulosos da indústria bélica.

Roma, 15 de novembro de 2015