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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Intercâmbio entre quem cultiva alimentos em áreas secas do planeta

 Agricultores e agricultoras familiares de duas regiões do planeta atingidas por secas vão se encontrar para compartilhar experiências de produção de alimentos apesar das condições climáticas adversas. Seis agricultoras e sete agricultores saem do Semiárido brasileiro ao encontro de campesinos e campesinas que vivem no Corredor Seco da América Central. Nos dias 23 e 24 deste mês, os brasileiros visitam El Salvador; e de 25 a 27, a Guatemala. O intercâmbio é promovido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), através do projeto Cooperação Sul-Sul para o manejo de recursos naturais e produtivos em zonas áridas e semiáridas no Corredor Seco da América Central.


Além de El Salvador e Guatemala, a região do Corredor Seco abrange também Honduras e Nicarágua e abriga mais de um milhão de famílias que vivem, principalmente, da agricultura. Em El Salvador e Honduras, cerca de 54% da sua população dependem do que plantam para comer e, na Guatemala, 67%. Segundo a FAO, os níveis de pobreza e desnutrição que afetam a população rural e as comunidades indígenas, no Corredor Seco, são alarmantes.

Aparecida da Silva, 53 anos, é uma das agricultoras da delegação brasileira também composta por representantes técnicos e políticos da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Cida, como é conhecida, parte da comunidade de Lagoa da Volta, a 16 quilômetros do centro do município sergipano de Porto da Folha (a 178,5 km da capital Aracaju). E leva consigo sua rica experiência de fundadora e gestora de um grupo de mulheres, criado há 15 anos e com atuação na área de criação de abelhas, cultivo de hortaliças, beneficiamento de frutas para fabricação de doces e multiplicação e estocagem de sementes crioulas. Cida está acostumada a receber visitas na sua propriedade desde 2012 quando conquistou a cisterna-calçadão, uma tecnologia que permite o acúmulo de água para produção de alimentos. “O que mais gosto nos intercâmbios é ver as experiências e saber como foram construídas. Sou muito curiosa”, confessa ela com um certo receio diante do espanhol falado pelos anfitriões.

Do município de Apodi, no Rio Grande do Norte, quem vai ao Corredor Seco é Agnaldo Fernandes, 32 anos, agricultor e sindicalista. “Estamos vivendo um momento oportuno para compartilhar a experiência de cuidar da água e da autonomia das famílias que romperam com a Indústria da Seca (lógica que concentrava a água para quem já tinha a posse das terras e que também detinha o poder econômico e político na região)”, disse ele. “O Rio Grande do Norte vive o sétimo ano sem chover direito e ninguém precisa mendigar uma lata d´água. Através da ASA, a seca não nos faz mais refém.”

Agnaldo é da Chapada do Apodi, um território localizado sobre dois aquíferos, o Açú e a o Jandaíra, e bastante explorado pelo agronegócio para produção de frutas para exportação a base de muito veneno, que prejudica o acesso das famílias à água. Um dos exemplos disso é a barragem de Santa Cruz, cujas águas são reservadas para os perímetros irrigados e proibidas para as comunidades distantes apenas dois e três quilômetros do corpo d´água. Nessa mesma região, também há experiências de gestão da água por associações comunitárias que começaram na década de 1980 por incentivo da Igreja Católica. Estes Sistemas de Abastecimentos de Água Comunitária, como são conhecidos, testemunham a luta e a coragem da população local para resistir à privatização da água pelo agronegócio e se manter no local em que vivem há gerações.

Se Agnaldo está levando histórias de conflitos pela água e de organização comunitária para gestão deste recurso também vai escutar outras com o mesmo teor mudando o endereço para El Salvador e Guatemala. E ele tem consciência disso. “São lutas com muitos aspectos em comum e que, por isso, transcendem as fronteiras geográficas dos países”.

Da cidade de Remígio, na região Agreste da Paraíba, quem vai é Gizelda Lopes, integrante do movimento de mulheres rurais, sindicalista e agricultora familiar agroecológica com muita consciência do modelo de desenvolvimento que defende e das ameaças que sofre por defender a terra, a biodiversidade e uma agricultura saudável. “A gente está na disputa entre nosso modelo da agricultura familiar com base na agroecologia e o modelo do agronegócio, que cada vez mais deixa a vida da Mãe Natureza e Mãe Terra nua e doente. Isso é peso. As nossas experiências são o contrário, elas têm, cada vez mais, fortalecido a natureza a partir da rearborização das propriedades, fortalecendo a vida naquele ambiente”, assegura.

Gizelda comenta que intercâmbios entre agricultores e agricultoras são sempre ações com grande potência não só para melhorar as práticas agrícolas. “A gente amplia nossa capacidade de produzir, de reorganizar o lugar onde a gente mora, de deixar aquele lugar vivo a partir destas experiências de convivência numa região em que chove pouco e não tem sido fácil.”
Uma das capacidades que a ASA tem para compartilhar com as regiões secas do planeta é a sua experiência em sistematizar o conhecimento popular para transformá-las em políticas públicas de convivência com o Semiárido.


Segundo Antônio Barbosa, coordenador de dois programas da ASA e também participante do intercâmbio, o impacto ambiental da ação da Articulação, assim como a capacidade de organização da sociedade civil para influenciar, construir e executar políticas públicas para a convivência com o Semiárido, são dimensões que despertaram o interesse da FAO.

A ASA reconhece que sua capacidade de sistematizar experiências locais, nascidas do conhecimento popular, para transformá-las em ações com abrangência bem mais ampla, é algo a ser compartilhado com a sociedade civil de outras regiões semiáridas. Ao sistematizar estas experiências, é possível influenciar e construir políticas públicas a serem executadas com recursos públicos.

“O Semiárido brasileiro passou, nos últimos anos, por um processo de mudança estrutural e também de conquista de alguns marcos legais, como a lei das Cisternas. Atualmente, há mais de um milhão de cisternas de água para consumo humano e mais de 700 mil tecnologias que acumulam água para produção de alimentos e criação animal. Por mais retrocesso que possa haver com relação à agricultura familiar, essa malha hídrica descentralizada não vai permitir que voltemos à situação anterior com milhões de mortes durante as secas”, pontua Barbosa. 

Potenciais do Corredor Seco – Para resistir e combater a pobreza e a fome, os campesinos e campesinas da América Central desenvolveram um conjunto de experiências locais de gestão da água, que atestam um alto nível de organização social. É dessa região a metodologia “Campesino a Campesina”, que foi criada para fazer frente à destruição provocada pela Revolução Verde.

É uma metodologia que busca a revalorização do conhecimento dos camponeses, que reconhece a condição de desigualdade que vivem as mulheres e os jovens, e que valoriza o conhecimento construído através da prática, da vida. “É uma metodologia que se baseia no ditado chinês que diz assim: O que eu ouço, esqueço. O que falo, lembro. O que faço, sei”, comenta Barbosa.

No método Campesino a Campesina, o lugar da voz pertence ao agricultor e à agricultora. São eles/as que falam sobre suas vidas e seus modos de produção. Lá os técnicos das organizações de apoio à agricultura campesina assumem o papel de facilitar a construção de conhecimentos, mas não o da centralidade da fala.

Essa metodologia influenciou a própria ASA no início dos anos 2000, quando uma pequena delegação da ASA Paraíba foi à Nicarágua e se espantou com a capacidade de fala dos agricultores e agricultoras de lá. Na volta ao Brasil, iniciaram uma mudança no papel da assessoria técnica, que passou a democratizar o poder da fala com os sujeitos do campo. Esse processo se espalhou - de forma não linear e heterogênea - pelos demais estados da ASA Brasil.
Além disso, a população do Corredor Seco tem inúmeras tecnologias sociais que surgem das inovações locais. E, outro elemento importante para entender a região, é o índice pluviométrico - entre 1,4 mil mm a 1,8 mil mm/ano. Na verdade, trata-se de um território com clima subúmido-seco. “Mas, apesar da oferta de água, é uma região cuja imagem foi estigmatizada pela escassez de água. Assim como o Semiárido brasileiro”, atesta Barbosa, contando que o trabalho de desconstrução desta imagem única deve ser feita na América Central a exemplo do que houve (e ainda há) no Brasil.

ASA e FAO – A visita dos brasileiros aos hermanos da América Central é a primeira das várias atividades previstas no acordo de cooperação entre a ASA e a FAO. Ainda em 2018, estão previstos outros intercâmbios no Semiárido brasileiro e na América Central. Além das famílias agricultoras, a ASA e a FAO pretendem envolver outros sujeitos políticos nesta troca de conhecimentos, como gestores públicos, privados e de organizações da sociedade civil.

Na parceria entre a ASA e a FAO, também está prevista a aproximação entre o Semiárido brasileiro e a região do Sahel, uma faixa do continente africano situada abaixo do deserto do Saara, com altos índices de mortalidade infantil e fome. Devido à complexidade social dos 14 países localizados no Sahel, muitos deles com guerra civil e afetados por movimentos migratórios de sua população para a Europa, ainda está sendo desenhada a forma de contribuição da ASA àquela realidade, bem como sendo identificados os países para participar do intercâmbio com o Brasil.

Fonte: www.asabrasil.org.br

Juventude da ASA Paraíba planeja ações para o ano de 2018

Representações do grupo de trabalho Juventude Camponesa e Agroecologia, da Articulação do Semiárido Paraibano, estiveram nesta terça (17) na sede do Patac, em Campina Grande para planejar ações para 2018. A juventude socializou as ações desenvolvidas nos territórios nos últimos meses e planejou novos passos de algumas ações que estão sendo articuladas com parceiros, como a Embrapa, desde o ano de 2017.

Em face ao elevado número de escolas fechadas em uma série de comunidades de atuação da ASA, sobretudo junto ao projeto Cisternas nas Escolas, o grupo compreendeu a necessidade de difundir o debate sobre o assunto a partir de um momento de formação sobre Educação Contextualizada, que deve acontecer no próximo dia 17/05 em Campina Grande. A ideia é que sejam debatidos assuntos como a importância das escolas do campo para a agricultura familiar e agroecologia fazendo um paralelo com os reais motivos do fechamento desses estabelecimentos de ensino.



Na reunião os jovens ainda planejaram ações do projeto Pedagroeco, desenvolvido na Paraíba através da parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa. Estão previstas para o próximo semestre a realização de duas oficinas que devem capacitar de forma direta mais de 30 jovens dos sete territórios de atuação da ASA. A proposta é que uma oficina de produção textual de roteiros e narrativas, além de uma oficina técnica de audiovisual e técnicas do teatro possam qualificar meninos e meninas que devem produzir um documentário sobre as experiências da juventude da ASA Paraíba.

Ainda na reunião foi socializada a participação da juventude camponesa da ASA no Fórum Social Mundial, realizado em Salvador-BA entre os dias 13 e 17 de março, além da construção de uma agenda comum até o final de 2018 com destaque para a decisão de realização de reuniões itinerantes. Segundo Petrucia Nunes, jovem do Coletivo Regional das Organizações do Cariri, Seridó e Curimataú, as reuniões itinerantes garantem uma participação maior dos jovens do território que recebe o grupo de trabalho.

domingo, 15 de abril de 2018

Caravana das Águas e da Agroecologia propõe ações em benefício das populações ribeirinhas da Transposição do Rio São Francisco na Paraíba



“Temos que lembrar que foi em nome da sede desse povo disperso do Semiárido que foi feito todo o apelo para que a obra da Transposição se concretizasse”, frisou Luciano Silveira, da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, integrante da Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba, no encerramento da Caravana das Águas e da Agroecologia, ao refletir sobre quem deve ser o público prioritariamente atendido pela obra. A Caravana aconteceu de 10 a 12 de abril, no território do Cariri Paraibano, onde está o eixo leste da obra de transposição das águas do Rio São Francisco, que começou a operar na Paraíba há pouco mais de um ano.

Durante três dias, a Caravana percorreu em quatro municípios dezenas de assentamentos, comunidades rurais ribeirinhas, colônias de pescadores e as chamadas ‘Vilas Produtivas Rurais’ (VPR), criadas para o reassentamento de famílias que viviam por onde passa atualmente o canal da obra, a maior intervenção pública na área de recursos hídricos do estado. O objetivo foi conhecer e compreender os impactos da transposição na vida das famílias ribeirinhas, ou de fundo de pasto, que tiverem mudanças significativas em suas vidas com a chegada da obra, além de conhecer experiências exitosas no campo da agroecologia e levantar o debate sobre a água como um direito humano.

No primeiro dia de programação, a Caravana priorizou a reflexão sobre o panorama da crise hídrica no Brasil e sobre usos e conflitos por água a partir da transposição do rio São Francisco na bacia do rio Paraíba, o primeiro tema foi debatido em um painel pela manhã facilitado por Luciano Silveira e o segundo por Paulo Diniz, professor da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, Campus Sumé. O evento aconteceu no Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido – CDSA, um dos parceiros da ASA na realização.


O dia foi encerrado com uma visita ao canal da transposição próximo a cidade de Monteiro. Lá conversaram com o agricultor e presidente da Associação Comunitária do Sítio Mulungu, Cícero Quintans. Ele falou sobre como a comunidade vê a obra: “Era um sonho para todos nós, mas na realidade, para a comunidade, ainda não teve nenhum benefício. Para ser sincero, o único é o abastecimento de carro pipa, que eles estão colocando. Algumas pessoas tinham poço na região, em torno de 40, tinham plantio e perderam, muitos perderam também a morada, conseguiram uma casa na Vila Lafayette, quem está lá ainda ficou um pouco melhor, uma morada melhor, mas quem ficou morando do lado do canal, está tendo muitos problemas com as passagens, com detonações. Mas estamos vendo aí a água e temos esperança de que a gente vá ter água nas nossas torneiras, como prometeram”.

O segundo dia foi dedicado a cinco visitas nos quatro municípios: Monteiro (onde ocorreram duas visitas à VPR Lafayette e ao Assentamento Xique-Xique); Camalaú, onde o açude foi ‘rasgado’ para que a água da Transposição chegasse mais rápido à cidade de Campina Grande, que estava à beira do colapso hídrico em 2017; Caraúbas que tem problemas de contaminação por esgoto e agrotóxicos no Rio Paraíba; e São Domingos do Cariri, com sérios problemas também de contaminação e isolamento de comunidades. Saiba mais sobre cada uma das visitas acessando o link:  https://spmnordeste.blogspot.com/2018/04/caravana-visita-comunidades-ribeirinhas.html

O cenário encontrado pela comitiva da Caravana, formada por integrantes da ASA Paraíba, professores, pesquisadores, estudantes ligados aos núcleos de agroecologia e movimentos sociais do campo foi o de populações com uma organização política frágil ou inexistente, isoladas politicamente e fisicamente pela cheia do Rio Paraíba que derrubou pontes e passagens molhadas, dificultando ou inviabilizando o acesso à cidade de agricultores e seus filhos, que precisam estudar na zona urbana devido ao fechamento das escolas do campo, monocultivos com o intenso uso de agrotóxicos a poucos metros do leito do rio, problemas ambientais causados pela obra e a dificuldade de assistência técnica e acesso à água para a produção por quem vive nas margens do canal ou do Rio Paraíba.

“A água chegou e trouxe uma série de dúvidas e preocupação para a gente, que está sem saber se pode plantar a 50 metros, se vai pagar a água ou se não vai. Hoje eu já tenho um plantio de bananeiras, só que se passar de meio hectare, posso receber multa. E o que vamos fazer com o restante da terra? O que parece é que eles querem que a gente saia da nossa terra”, contou José Galdino, do município de Caraúbas.


Ainda em seu último dia de realização, a Caravana apoiou a mobilização das famílias agricultoras das comunidades de Carnaúba, Pitombeira e assentamento Mandacaru em Sumé que lutam pela reabertura de suas escolas e denunciam que devido às chuvas, muitas crianças têm sido prejudicadas, sem aulas, devido à condição das estradas. Os participantes da caravana fizeram um ato e uma caminhada pelo centro da cidade passando em frente à Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação.

Alguns encaminhamentos foram levantados para a continuidade da Caravana, entre eles: realização de eventos para multiplicar essa discussão, dar visibilidade e denunciar  os casos de violação de direitos; buscar um diálogo com os sindicatos de trabalhadores rurais dos municípios envolvidos; propor audiências públicas em nível estadual com a presença de autoridades políticas e do Ministério Público Federal - MPF; a criação de um fórum em defesa das populações atingidas pela transposição; acionar o MPF para a revitalização das margens do Rio Paraíba e reposicionar a participação da ASA e dos outros movimentos sociais do campo no Comitê Estadual de Bacias Hidrográficas e realizar uma nova caravana que visite outras partes da obra no estado.

“Depois do que vimos, precisamos pensar em como vamos transformar o que colhemos em formas de luta e em uma reflexão coletiva que ajude para que essas famílias não sejam ainda mais prejudicadas. Precisamos cobrar dos sindicatos e da própria federação dos trabalhadores rurais da Paraíba o seu papel nesse situação”, afirmou Roselita Vitor, da Coordenação do Polo da Borborema, uma das dinâmica territoriais da ASA Paraíba.

O evento faz parte do processo preparatório da Paraíba para o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) que acontecerá em Bolo Horizonte, de 31 de maio a 3 de junho de 2018. Os núcleos de agroecologia das universidades do estado e os movimentos sociais Pastoral da Juventude Rural – PJR, Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST são parceiros da ASA na realização da Caravana.

Caravana visita comunidades ribeirinhas de 4 municípios por onde passa o canal da Transposição na Paraíba

GT de Comunicação ASA PB


Nesta quarta-feira (11), a programação da Caravana das Águas e da Agroecologia consistiu em cinco visitas nos municípios paraibanos de Camalaú, Monteiro, Caraúbas e São Domingos do Cariri, por onde passa o canal da Transposição do Rio São Francisco. As visitas dialogam com um dos principais objetivos do evento que é o de conhecer e compreender a realidade das populações, que de alguma forma, são afetados pela obra, incomparavelmente a maior política pública na área de recursos hídricos do estado.

A caravana é uma iniciativa da Articulação do Semiárido Paraibano – ASA Paraíba em parceria com outros movimentos sociais do campo e acontece no Centro de Desenvolvimento do Semiárido do Campus Sumé da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no Cariri Paraibano. Em seu segundo dia, os participantes se dividiram em cinco grupos para as seguintes visitas:

Camalaú
No município de Camalaú, a Caravana visitou as comunidades Mocó, Baraúnas, Viegas, Assentamento Novo Mundo e a associação da colônia dos pescadores. Na ocasião, os moradores da região contaram um pouco de como receberam as águas da Transposição, os desafios que estão enfrentando e os impactos dessa obra. Na comunidade de Mocó, os moradores falaram sobre o sentimento de realização de um sonho até então desacreditado e de sua gratidão por isso. Surgiram ainda relatos sobre os efeitos negativos da obra, principalmente com relação a limitação da área de produção (que é de meio hectare) e o isolamento das comunidades uma vez que não foram construídas as pontes de acesso.

Na comunidade de Viegas os visitantes identificaram uma grande problemática relacionada ao rasgo do açude de Camalaú, para levar água para Boqueirão, o que tem impossibilitado a acumulação da água no reservatório do município e, consequentemente, prejudicando a agricultura familiar, as atividades de pesca, entre outras. Nessa comunidade também foi verificada a existência de uma experiência de recuperação da mata ciliar em um pequeno trecho do Rio Paraíba Norte, através de técnicas do barramento do solo e sistema agroflorestal.  Os caravaneiros perceberam a partir dessas vivências, que existe uma ausência de conhecimento das comunidades em relação aos aspectos de regulamentação da obra, seus impactos ambientais e na vida das comunidades, como também uma preocupação com relação ao acesso a água e sua permanência no local.

Caraúbas
A caravana das águas também passou pelo município de Caraúbas. A primeira parada, foi no Rio Paraíba, onde foram encontrados desafios como fato de o esgoto e o lixo da cidade serem despejados direto para o Rio Paraíba. A segunda parada foi na propriedade dos irmãos agricultores João e José Galdino, localizada a 50 metros do Rio Paraíba, que dizem já sentir os impactos da transposição. “A água chegou e trouxe uma série de dúvidas e preocupação para a gente, que está sem saber se pode plantar a 50 metros, se vai pagar a água ou se não vai. Hoje eu já tenho o plantio de bananeiras, só que se passar de meio hectare, posso receber multa. E o que vamos fazer com o restante da terra? O que parece é que eles querem que a gente saia da terra nossa terra”, contou José. A última parada da caravana foi para conhecer as experiências agroecológicas da família de José Carlos e Josefa Brito. Há 10 anos o casal escolheu a convivência com o semiárido, mesmo vivendo num região de solo pedregoso. Com a cisterna do tipo enxurrada, o casal aumentou e diversificou a produção animal e vegetal, fazem estratégia de recuperação do uso e manejo do solo, reutilizam a água, cultivam mudas e comercializam a produção.

Monteiro
As famílias do Assentamento Xique-xique localizado na cidade de Monteiro-PB receberam um grupo de visitante formada por agricultores e agricultoras, técnicos e estudantes, para entenderem como essa população assentada da reforma agrária está vivendo a partir da chegada das águas do Rio São Francisco. Na propriedade de 3.000 hectares vivem 40 famílias. 

Cada lote foi dividido para maioria da seguinte maneira: 5 hectares na agrovila, 17 hectares para cada família e mais meio hectare as margens do Rio Paraíba que recebe as águas da transposição. Segundo os agricultores que vivem na propriedade há oito anos, os desafios são constantes mesmo com a chegada das chuvas. Eles destacaram a falta de assistência técnica, o risco de perdas da fauna e flora nativa, a ausência de financiamento para a construção das casas e a fragilidade da organização coletiva como seus principais desafios. Para as famílias, aproveitar melhor água e construir suas casas, são sonhos mais almejados por todos.

Ainda em Monteiro, um segundo grupo visitou a Vila Produtiva Rural (VPR) Lafayette e a comunidade Pau D’arco. Agricultoras e agricultores contaram como estavam avançando nas práticas de convivência com o Semiárido antes do projeto da transposição chegar, onde estavam desenvolvendo seus sistemas produtivos e gerando renda familiar. Essas famílias denunciam que foram mobilizadas de forma arbitrária, com ameaças e sem direito a acordos, sendo obrigadas a abandonar suas casas e a recomeçar, com a proposta de assistência que não se concretizou após as obras começarem.


Os depoimentos trazem a dor e a falta de esperança para quem tinha uma vida consolidada e agora precisa recomeçar do zero. Muitas famílias relatam que a promessa de água não foi cumprida e que pouco se fez para assistência a elas, deixando assim a marca da falta de planejamento e descaso do Ministério e da empresa responsável pela obra. O presidente da Associação de Lafayatte, denuncia que o Rio Paraíba hoje encontra-se sufocado pelos entulhos das obras que não foram retirados. As famílias ribeirinhas estão a 100 metros do canal da transposição e não tem permissão de pegar água do rio. Elas hoje são abastecidas por carros pipas, mas dizem que a água é de péssima qualidade e, ainda assim, só veio como conquista depois que a associação moveu um processo jurídico exigindo que as casas fossem abastecidas.

São Domingos do Cariri


O grupo que visitou a zona rural de São Domingos conheceu três comunidades: Pau Ferro, Lajedo e Melo II. Lá, as comunidades vivem um drama que é antigo, o isolamento causado com a cheia do Rio Paraíba que impede o acesso à zona rural de crianças que precisam chegar às escolas, o transporte de mercadorias e o livre trânsito das pessoas, que ficam sujeitas ao risco de serem levados pela correnteza. Com a chegada da Transposição, o problema que só durava dois ou três meses por ano agora é permanente. Outro grande desafio encontrado é o plantio de monoculturas à base de agrotóxicos a apenas alguns metros do rio, com um alto risco de contaminação, além de contrariar a determinação da Agência Executiva de Gestão das Águas no Estado da Paraíba (Aesa). O Joelson Gonçalves conta que anda aflito com a limitação de meio hectare para a sua produção de bananas que hoje ocupa 1,5 hectare. “Assinei o termo me comprometendo a não usar a água, mas disse ao fiscal que ele iria tirar o pão da boca dos meus dois filhos. Estou sem dormir direito, por causa disso”, diz o agricultor que retira a sua renda do bananal há cerca de 10 anos. Ele ainda afirma que não usa agrotóxicos, mas que a fiscalização não cobra das plantações de pimentão que usam pesticidas ao lado de sua propriedade.

Ao final de todas as visitas, cada grupo se reuniu para avaliar o que viu e ouviu e organizar uma síntese para compartilhar com os demais participantes da caravana, no dia seguinte.