A
expressão foi usada pelo filósofo alemão Nietzsche: “O niilismo está às portas:
de onde vem ele, o mais inquietante entre os hóspedes”? (Cfr. Fragmentos íntimos, 1885-87). Logo
depois, foi retomada por outro filósofo alemão: “A ausência de pensamento é um
hospede inquietante que se insinua por toda parte no mundo de hoje” (Cfr. Heidegger,
1959). Mais recentemente, o também filósofo italiano Umberto Galimberti, por
sua vez, publicou um livro com o seguinte título: “O hóspede inquietante – o niilismo e os jovens”. De acordo com a Wikipédia, “niilismo é uma
doutrina filosófica que atinge as mais variadas esferas do mundo contemporâneo (arte
(literatura, ciências
humanas, teorias sociais, ética e moral) cuja principal característica é uma visão
cética radical em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores
e convicções. É a desvalorização e a morte do sentido”.
O negacionismo proclamado por alguns chefes de
Estado, de alguma forma, mergulha suas raízes nesse processo cínico, cético e desconstrutivo,
seja no que diz respeito aos valores e referências tradicionais, seja no que se
refere ao trabalho da pesquisa científica. Neste caso, o ato de minar e
desqualificar expressões culturais consolidadas ou descobertas inovadoras da
ciência é uma maneira de ocultar a própria ignorância. Não possuindo argumentos
válidos e racionais para um diálogo aberto e responsável, apelam para o bordão
autoritário. O mesmo ocorre, por exemplo, com aquele marido que, incapaz de se
contrapor às observações razoáveis da esposa, impõe-se pelo grito, pelo punho,
quando não pela faca ou o revólver. Ou seja, a violência costuma ser a arma favorita
de quem não dispõe de razão. Sem poder contar com uma autoridade natural,
baseada no bom senso e num relacionamento digno, respeitoso e igualitário, predomina
o autoritarismo. A falta de cérebro leva ao uso da força bruta.
Em tempos de pandemia e de quarentena, a
postura fundamentada no niilismo negacionista tende a desmontar pela raiz
qualquer planejamento sério para o combate do Covid-19. A batalha contra o
vírus se converte em um cego tiroteio, onde cada um atira por conta própria e a
esmo, com o risco de atingir outros soldados que deveriam estar do mesmo lado
do front. Além disso, as opiniões pessoais, partidárias, políticas,
corporativistas ou ideológicas acabam sobrepondo-se às orientações dos
estudiosos especialistas em infectologia. Mais grave ainda! Autoridades que
nunca frequentaram uma faculdade de medicina passam a ditar as regras e as
medidas, tanto no sentido de fazer apologia de medicamentos sem eficácia
assegurada, quanto no sentido de apontar de forma obsessiva e irresponsável um
receituário com comprovados efeitos colaterais de risco. No Brasil do governo
Bolsonaro, quando a tragédia registra o maior número de mortes, chega-se ao
ponto de transformar o Ministério da Saúde em um verdadeiro quartel do
Exército, onde os militares substituem a experiência dos técnicos.
Em semelhante cenário, quem é nosso “hóspede
inquietante”? O coronavírus ou o governo de plantão? Talvez a perversa combinação
de ambos! No momento de juntar as forças contra o “inimigo comum e invisível”,
Jair Bolsonaro, seu clã familiar e seus fanáticos seguidores põem-se a brigar
com as instituições democráticas: os poderes judiciário e legislativo, por um
lado e, por outro, os governadores e prefeitos. Ademais, em lugar de corrigir
declarações e atitudes indignas de um mandatário, e que depois são amplamente
disseminadas pela mídia, termina por se indispor contra os representantes do
jornal, do rádio, da televisão, etc. Em termos figurados, é como tentar apagar
o fogo soprando na fumaça. Os meios de comunicação social, na verdade, são a
caixa de ressonância do que vem da fonte, que são os fatos e imagens. E estes,
por sua vez, há tempo refletem uma realidade de polarização. Se a polarização
se revela como uma usina de intrigas, ódio, mentiras e ataques; se ela insiste
em desconhecer o diálogo e parte sempre para o confronto; e se busca
obsessivamente um inimigo para consolidar a própria natureza – o que mais pode
transmitir a imprensa, seja ela falada, escrita ou televisionada!?...
Pe.
Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 18 de junho
de 2020
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