PESQUISAR

terça-feira, 10 de novembro de 2009

CASA DE DEUS VII

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

Do ponto de vista da piedade popular, falar da Casa de Deus é falar do coração de Jesus. De fato, impressiona a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, não apenas no catolicismo tradicional, mas também nos dias atuais. Basta constatar quantas paróquias ou comunidades são dedicadas a essa devoção, ou ainda os numerosos grupos que se reúnem ao redor do coração de Jesus. As sextas-feiras, em geral, e a primeira sexta-feira do mês, em particular, são testemunhas desse fervor religioso tão arraigado na fé do povo luso-brasileiro.

De onde vem isso? Nem precisaria lembrar que os próprios Evangelhos são os primeiros a salientar a misericórdia e a compaixão do Mestre. Lendo-os, tropeçamos o tempo todo com esse coração aberto e disponível aos que sofrem. A caravana de Jesus nunca atropela que lhe pede socorro. Sempre se detém ao clamor dos indefesos, em contraste mesmo com a atitude dos discípulos. Numerosas passagens podem servir de exemplo: o cego Bartimeu (Mc 10,46-52), a mulher que sofria de fluxo de sangue (Mc 5,25-34), a ressurreição do filho da viúva de Naim (Lc 7,11-17), a mulher adúltera (Jo 8,1-11), a mulher encurvada (Lc 13,10-17), só para citar algumas.

São emblemáticos, especialmente, os episódios do filho pródigo (Lc 15,11-32) e do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), onde Jesus faz resplandecer, por um lado, a atenção para com as vítimas da história e, por outro, a imensa alegria do Pai para com aqueles que se decidem retornar a casa. Ternura e carinho de um coração materno transparecem também na hora em que Jesus se despede dos discípulos, durante e após a última ceia, de acordo com os capítulos 13 a 17 do Evangelho de João.

As cartas neotestamentárias dão igualmente testemunho de que o coração de Jesus representa a Casa de Deus. Na Primeira Carta de Pedro, escrita aos “estrangeiros da dispersão”, o autor diz que, diante das perseguições e hostilidades de que são vítimas os que vivem fora da pátria, a união entre eles é a “Casa de Deus”. João, o apóstolo mais próximo do coração de Jesus, resume sua mensagem numa única frase: “Deus é amor” (1Jo, 4,8), lar aberto a todos que o buscam. Quanto às cartas de Paulo, é incontável o número de vezes em que aparece o nome de Jesus Cristo como um coração que se revela caminho para a morada de Deus.

Em síntese, os escritos do Novo Testamento deixam claro que o coração de Jesus é abrigo, compreensão, conforto para os doentes e pecadores, fracos e indefesos, pequenos e abandonados – sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito. Aqueles que a sociedade abomina e marginaliza encontram predileção junto ao Mestre. Com isso, Ele revela que o Pai jamais fecha a porta de sua casa ao coração arrependido. Nunca deixa do lado de fora que procura sua face. Há aqui uma distinção fundamental entre o Deus distante do Antigo Testamento e o Deus de Jesus Cristo, tão próximo do coração que é chamado carinhosamente de “Abba = Pai”.

Ao longo da tradição católica, essa referência do Coração de Jesus como refúgio dos aflitos foi ganhando força crescente. De Portugal para o Brasil, ela manteve uma riqueza impressionante de imagens, quadros e expressões devocionais. O Coração de Jesus tem lugar destacado nos templos, sai pelas ruas em procissão e habita um número incalculável de casas. O segredo está em que são os moradores dessas casas e/ou os fiéis dessas práticas que, em verdade, habitam o Coração de Jesus. Este se converte em moradia dos que se sentem abandonados, em porto dos que navegam por mares tempestuosos, em pátria que desterrados.

O Coração de Jesus ganha tremenda popularidade nos meios populares porque nossos povos, não raro, sentem-se estrangeiros no interior do próprio país. Tendo muitas vezes negados os direitos básicos à dignidade do ser humano, buscam no Coração de Jesus uma terra que os acolha como filhos e filhas. Com maior razão ainda isso vale para os que se viram impelidos a deixar a pátria, abandonando a terra sagrada onde estão sepultados seus ancestrais. O Coração de Jesus congrega os imigrantes de todas as raças, línguas e nações, da mesma forma que congrega os sem teto, sem terra e toda a enorme multidão dos “sem”. A devoção ao Bom Jesus ou ao Menino Jesus refletem também a aspiração dos pobres pela segurança e solidez da Casa de Deus.

Mas essa devoção está ligada, ainda, à própria condição do ser humano sobre a face da terra. Como todos caminhamos errantes e estrangeiros sobre uma pátria estranha, o Coração de Jesus se converte numa espécie de ante-sala para a Casa de Deus, pátria definitiva da alma humana, como diz Santo Agostinho. Aliás, Ele mesmo se revela como “caminho, verdade e vida” , ao confortar os discípulos na hora da despedida: “Não se perturbe o vosso coração! Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,1-7).

Um comentário:

Natalicia disse...

fico feliz em poder ter meios de um modo especial continuar a ter acesso as noticias da Pastoral do Migrante e além das fotos da Romaria, o Padre Alceu, este belo artigo do padre Alfredinho, os quais tive imenso prazer de conhecer e conviver em João Pessoa PB, quando junto com eles e meu esposo e alguns amigos participei da Pastoral e outros movimentos de nossa comunidade. Desejo-lhes um feliz 2010.Natalicia Araujo