Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Você
convida um amigo muito querido à sua casa. Leva-o logo para a cozinha, lugar
mais familiar e onde a conversa costuma ser mais próxima. Enquanto a sala de
estar é lugar de visitas solenes, ilustres e formais, a cozinha é espaço de
intimidade. Ali a conversa é franca, aberta, transparente. Os enfeites e
atributos da sala muitas vezes escondem segredos. Já a cozinha se presta em
geral à nudez da amizade sincera, sem fingimentos. Na primeira é comum ocultar
o lixo debaixo do tapete, na segunda sequer há tapete. Tudo ocorre no corpo a
corpo, cara a cara, olho no olho.
Mas
pode haver um desencontro, uma espécie de um curto-circuito entre você e o amigo
convidado. Você o instala na cozinha e põe-se a brincar com o gatinho, o
papagaio ou o cachorrinho da casa. Pior ainda, liga a televisão ou o rádio,
esquecendo de desligar o celular. Este timbra e você atende normalmente,
falando em voz alta, sem dar a mínima para o amigo que está ao lado. Ou ainda,
começa a folhear o jornal, uma revista ou um livro. Apesar de juntos, ambos
parecem em órbitas diferentes.
A
metáfora serve para esclarecer o que ocorre, não poucas vezes, na oração
pessoal ou mental. Convidamos Jesus Cristo para um bate-papo, um encontro
profundo. Levamo-Lo até o lugar mais íntimo de nosso ser. Chegados ali, ao
invés de conceder-Lhe uma atenção especial e única, eis-nos distraídos com mil
preocupações que tumultuam nosso espírito e nosso coração. Deixamo-Lo de lado e
passamos a navegar indistintamente de um tema a outro.
Com
muita freqüência, esquecemos a presença do Amigo, e nos entretemos com culpas e
mágoas, ciúmes e invejas, rancores e vinganças, acariciando-as morbidamente como
se fossem bichinhos de estimação. Outras vezes, ligamos o filme de nossa trajetória
retrospectiva, e as imagens vão se sobrepondo umas às outras, sem que ao menos
lhe prestemos uma atenção mais viva e séria. Pode ser também que toque o
telefone das preocupações imediatas, dos desafios que nos esperam. Passamos
logo a antecipar as respostas e soluções, sem uma avaliação mais acurada do que
temos de fazer. Ou ainda, nossa atenção põe-se a captar, implícita ou
explicitamente, as novidades que chegam de todos os lados, como o beija-flor
que rouba o mel de todas sem enamorar-se concretamente de nenhuma.
Paciente
e silencioso, o Amigo aguarda. Ouve, sorri, perdoa e ama. Ama mas deixa-nos
inteiramente livres. Não se atém ciosamente a uma relação doentia e possessiva.
Não pode fazer outra coisa senão pousar seu olhar fixo e misterioso sobre o
nosso. Olhar que é um oceano límpido, cristalino e transparente de amor e
misericórdia. Espera que o brilho desse olhar, por sua profundidade e
intensidade, nos fascine e nos chame novamente ao encontro. Espera que sua luz
penetre em nossa alma e nos seduza pela doçura e compaixão.
Mas
quase sempre os ruídos, internos e externos, são mais fortes que a presença
silenciosa e atenta do Amigo. Imagens, sons, lembranças e palavras vão se
sucedendo, atropelando-se umas às outras. Tumultos e turbulências, temores e
tremores substituem o silêncio necessário para retomar o diálogo com o Amigo.
No rosto Dele, pouco a pouco, vai se extinguindo o brilho da luz. Uma sombra de
tristeza toma desce e toma o lugar do olhar amoroso. O sorriso de infinita
bondade parece murchar como uma flor esquecida.
Sem
nos darmos conta, na agitação do momento, o Amigo parte tão discreto e
silencioso como chegara. Ficam adiadas, mais uma vez, a serenidade e a paz que ansiosamente
buscávamos encontrar. As palavras (no plural) ocultaram a presença viva da
Palavra (no singular). O Verbo se fez carne, armou sua tenda entre nós, mas as
trevas não o acolheram! O Amigo, porém, insiste: “Já estou chegando e batendo à
porta; quem ouvir minha voz e abrir a porta, eu entro em sua casa e janto com
ele, e ele comigo”(Ap 3, 20).
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