Pe. Alfredo J.
Gonçalves, CS [www.provinciasaopaulo.com]
De retorno a São Paulo, ao meu lado no ônibus viajava
uma senhora ainda jovem com duas crianças: uma filhinha de alguns anos e um bebê
de alguns meses. Logo surgiu um pequeno impasse. Dois ou três passageiros
resmungaram sobre a luz acesa nas poltronas ocupadas pela mãe e filhos. Era
evidente, porém, que ela não apagava a lâmpada individual para evitar o choro
da criança de colo. Tinha perfeita consciência que seu bebê temia o escuro e
devia esperar que ele dormisse.
Enquanto isso, a jovem mãe oferecia o peito e
“falava” com o bebê. Falava entre aspas, porque se tratava de um monólogo de palavras
e frases entrecortadas, um murmúrio de sons e afagos, incompreensível e ao
mesmo tempo cheio de significado; um sussurro inarticulado de mimimi-mumumu, como
diria um comentarista esportivo; a magia da água que, mansa e borbulhante,
brota da fonte. Fonte cristalina e transparente, onde tudo é límpido e
refrescante.
Num relance, pude observar os dois rostos
praticamente colados um ao outro. O nariz da mãe entrecruzava-se com o do
filho, num jogo de comunicação bem conhecido de quem costuma lidar com a
infância. Mais expressivo ainda era o olhar dela fascinado pelos olhinhos da
criança, abertos e fixos naquele rosto familiar e amado. Podia-se adivinhar o
esboço de um sorriso divino de ambos os lados, num enternecimento inexprimível.
A imagem transbordava de ternura e afeto.
Neste caso, pouco ou nada importavam a lógica e o
sentido das palavras. O amor, a dedicação e o carinho expressavam-se, antes,
pela entonação da voz, pelo calor do corpo, pelos braços acolhedores, pelo
balanço ritmado dos embalos, pela profusão de carícias e beijos. A linguagem do
amor, na expressão animal e humana, não é construída com um edifício de
palavras, frases, discursos, e sim com balbucios, gestos, olhares, sorrisos,
toques, canções, presença... É a arte daquela que, além de carregar a sua
“cria” por nove meses no aconchego de seu ventre e amamentá-la depois de
nascida, ensina-lhe em seguida as primeiras palavras, as primeiras preces e os
primeiros passos. Aquela que, no berço e na casa, vela pela vida que cresce e
amadurece: primeira a levantar-se, última a deitar-se.
Semelhante cena, tão simples e singela, levou-me às
palavras do salmo: “eu fiz calar e repousar a minha alma, como uma criança
recém-amamentada no colo da mãe” (Sl 131,2). Tanto a linguagem do amor quanto a
linguagem da oração não são feitas como narrativas articuladas, gramaticamente
corretas em seus conceitos e argumentações. Ao contrário, ela constitui uma
mistura de sons e silêncios, comunicação de fala e escuta, onde prevalece uma
tonalidade de voz que é única e irrepetível em cada pessoa e em cada relação.
A razão, com sua lucidez fria e cortante, apaga muitas
vezes o encanto de uma relação amorosa, quer em termos espirituais quer em
termos afetivos. Aqui a alma, o coração e o corpo falam mais alto, mesmo sem
nada dizer de inteligível ou traduzível. Isso explica o encantamento da música,
do afago amoroso, do olhar banhado de luz, da expressão facial que se abre em
flor. Aliás, explica também a gratuidade da própria flor que se oferece inteira
e bela, para logo murchar e morrer.
Amor e oração, meditação e contemplação nascem e
crescem num terreno distinto da racionalidade. Podem e devem contar com ela,
evidentemente, mas se guiam por outra bússola e rumam em direção a outro porto.
Tampouco seguem a lógica estreita e taxativa da matemática, embora sem
esquecê-la. Oblação e gratuidade jamais se esgotam nos números e nos conceitos.
Seu mistério secreto, sem deixar de ser humano, encontra-se muito além (ou
acima) da compreensão humana. Finitude e infinitude se entrelaçam: numa
trajetória de vida finita habita um espírito infinito, inquieto e irrequieto,
que sempre busca superar-se a si mesmo, somente repousando na Casa de Deus,
como lembra Santo Agostinho.
O amor da mulher/mãe/trabalhadora, na vida de cada
um de nós, é ao mesmo tempo um lugar de chegada e de partida, que nos acompanha
em toda a trajetória, desde o berço ao túmulo, do nascimento à morte. Ponto de
referência onde o humano e o divino se cruzam, deixando marcas indeléveis
gravadas na pedra viva da história. A mulher em sua entrega materna e em sua
contribuição na sociedade, a exemplo do poeta e do artista, carrega em si algo
de profundamente humano-divino, revelando na face da terra um pouco do oxigênio
que se respira nos céus! Em cada mulher esconde-se uma oração, às vezes não
recitada, mas potencialmente presente.
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