Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Medo, terror, perplexidade, comoção, indignação – eis
alguns dos sentimentos que, de imediato, percorrem as veias do velho continente
europeu. Somam-se a eles imagens de uma guerra não declarada, tão brutal e
sangrenta, que inspira calafrios. “Um ato de guerra do Estado Islâmico (EI)”,
diz o presidente francês, François Hollande. “Estamos no meio de uma terceira
guerra mundial”, diz o Papa Francisco. “Um ataque não só contra contra Paris e
a França, mas contra os valores de toda a humanidade”, dizem os representantes
de várias nações.
Da mesma forma que o amor, a religião pode conduzir ao
paraíso ou arrastar ao inferno. De fato, o amor eleva as pessoas aos
sentimentos mais sublimes de carinho, ternura, bondade, etc... Mas também pode
precipitá-las no abismo tenebroso do ciúme, do ódio e da vingança. Amar é uma
forma de acordar os anjos que habitam nas entranhas do ser humano, de despertar
os afetos, emoções e sentimentos mais profundos... Mas pode igualmente acordar
os demônios ignotos e selvagens que dominam o labirinto obscuro de cada pessoa,
desencadeando os chamados crimes passionais.
Não é diferente com a religião. Por um lado, faz erguer o
olhar ao alto, abrir o coração ao outro e a mente ao sobrenatural; alarga o
espírito e a alma, em comunhão com “o bom, o justo e o belo”; une e congrega os
fiéis na busca de ideais comuns; estabelece uma ponte entre o céu e a terra, na
tentativa de transformar a história de cada um e de todos no primordial
“paraíso perdido” ou na nova “terra prometida”. Por outro lado, traz embutido em
seus ritos, fórmulas, credos, expressões, dogmas e discursos o vírus do
“fundamentalismo” ou do “totalitarismo”. Dois conceitos que podem receber
roupagem política, ideológica, racial ou religiosa. Ambos, especialmente quando
se trata do âmbito do sagrado, lidam com valores absolutos. É justamente aí que
mora o maior perigo. Quando as coisas se absolutizam em tal modo, “se eu estou
com a verdade e você está no erro, em nome de Deus você deve ser eliminado da
face da terra”.
Da mesma forma que o totalitarismo político e racial,
durante a Segunda Guerra Mundial, conduziu à “solução final”, às câmaras de
gás, ao holocausto; e que o totalitarismo político e ideológico levou ao
paredão de fuzilamento, à perseguição, à prisão e ao extermínio em masa dos
opositores, ou aos campos de trabalhos forçados, “gulag” – o totalitarismo
religioso, ou fundamentalismo, instala a “guerra santa”, a qual, ao longo dos
séculos, contagiou não poucas religiões, semeando terror, fogueiras e cadáveres
por toda parte... Em nome de Deus, tudo é permitido! Procura-se, com isso,
justificar a barbárie e o puro simples massacre com o manto divino.
Paris, a França e a Europa estão feridas, ensanguentadas,
dilaceradas. O “11 de setembro francês”, como alguns já batizaram os atentados
de 14 de novembro, golpeou a vida de inúmeras pessoas e famílias. Mas, se de um
lado o terrorismo fere, abala e sacode o coração e a alma de todo um povo, de
outro lado, por mais paradoxal que pareça, e em contraposição à via sanguinária
da vingança, reforça a fé e a esperança na cultura dos direitos humanos, da
democracia em todas as suas consequências, dos valores de solidariedade e
fraternidade.
Restam, porém, algumas perguntas. Até que ponto o estilo
de vida europeu, particularmente entre os jovens, não é hoje sinônimo de
fatuidade, vácuo e vazio, que leva a extremismos desse gênero? Até que ponto o
velho continente não está colhendo a tempestade de ventos semeados ao
longo da colonização e do eurocentrismo?
E o que é mais grande: até quando a produção e comercialização de armas seguirá
incólume, patrocinada sobretudo pelos países ricos. Os disparos e explosões que
atingem barbaramente a população civil fazem refletir seriamente sobre a
fabricação de tais armas e sobre os lucros fabulosos da indústria bélica.
Roma, 15 de novembro de 2015
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