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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Dilma tratora as cisternas?



Escrito por Roberto Malvezzi (Gogó)*   
Sábado, 12 de Novembro de 2011
 
A sociedade civil articulada trabalha há anos a construção de um milhão de cisternas para a população difusa do semi-árido. O P1MC (Programa 1 Milhão de Cisternas) já construiu cerca de 350 mil dessas cisternas.
 
O resultado desse trabalho de rendeira, ponto a ponto, cisterna a cisterna, junto com outras políticas públicas como a elevação do salário mínimo, Luz para Todos e Bolsa Família, fizeram com que desaparecesse do cenário nordestino as grandes migrações, os altíssimos índices de mortalidade infantil, as famigeradas Frentes de Emergência, os macabros saques de famintos e sedentos. Parece pouco, mas é uma conquista histórica.
 
Seriam impossíveis essas conquistas sem que uma legião de pessoas, articuladas em mais de 700 entidades, não dedicassem suas vidas para vencer essas tragédias. Com uma pedagogia paciente, envolvendo as comunidades beneficiadas, fazendo a reflexão sobre a convivência com o semi-árido, replicando tecnologias que passam a ser controladas pelas comunidades, a realidade mudou.
 
Dilma, quando entrou, disse que iria acelerar esse processo. Sempre ficou a dúvida de qual seria o método para essa aceleração. Anunciou a construção de 800 mil cisternas, como a universalização do Água para Todos. Até aí estava tudo ótimo.
 
Mas, repentinamente, a presidente anuncia que vai acelerar a implantação das cisternas através de um reservatório de plástico, comprados de uma empresa. A presidenta nem imagina o estrago que está fazendo. Se soubesse, não é possível que o fizesse.
 
Primeiro, as cisternas de plástico murcham com o sol, envelhecem rápido, o que as inviabiliza do ponto de vista técnico. Mas esse não é o problema fundamental. Nenhuma empresa tem interesse em fazer o trabalho pedagógico junto às comunidades. Para guardar a água da chuva é necessário um trabalho de reflexão sobre o semi-árido, como ele é, suas leis naturais de chuva e secas, sua biodiversidade específica, assim por diante.
 
O Estado brasileiro, desde o nível federal até ao municipal, nunca soube, não sabe, não há sinal que um dia saberá como fazer essa educação. Tanto é que a fome e a sede reinaram por séculos até que a sociedade civil inaugurasse essa nova metodologia, estabelecendo uma fenda histórica entre o que foi feito antes e o que está sendo feito agora. Dilma vai enterrar a metodologia com suas cisternas de plástico.
 
Se existe demora, o correto seria fortalecer a ASA (Articulação do Semi-Árido). Afinal, só o aditivo da Transposição, que está derretendo ao sol, é de 1,8 bilhões de reais, isto é, dinheiro suficiente para fazer  um milhão de cisternas.
 
Francamente, quem não ajuda que não atrapalhe. Se os governos não sabem fazer, que continuem apoiando aqueles que sabem. Já é uma contribuição excelente. Enterrar essas iniciativas, muito mais pedagógicas que obreiristas, é ressuscitar a velha indústria da seca, tão ao gosto dos coronéis de ontem e de sempre.
 
 
*Roberto Malvezzi é assessor de movimentos sociais e membro da Comissão Pastoral da Terra.

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