Pequeno
grupo de mulheres estava de pé junto à cruz. De acordo com os relatos
evangélicos, além de Maria, a mãe do Crucificado, outras Marias a acompanhavam
nesse momento de dor e morte, solidão e abandono. No atual contexto sombrio e
letal da pandemia do Covid-19, uma imensa multidão de médicos, enfermeiros/as,
técnicos e agentes da área da saúde encontram-se de pé junto à cruz dolorosa de
tantas pessoas e de tantas famílias. Com o risco constante de contágio, e
apesar do receio pela própria vida e pela dos seus, atuam da linha de frente do
combate. Tratam de otimizar o diagnóstico e a medicina adequada, cuidar dos
enfermos, acolher o último suspiro dos moribundos e consolar seus familiares,
parentes e amigos. Junto aos leitos, nos corredores e nas salas de terapia
intensiva dos hospitais, travam essa guerra sem tréguas contra o inimigo
invisível e, por isso mesmo, tanto mais forte, contagioso e ameaçador.
Nos
bastidores, em sofisticados laboratórios, com tecnologia de ponta e estudos
avançados, equipes de cientistas abraçam a mesma causa, correndo contra o coronavírus
e o tempo, na desesperada busca de um remédio ou vacina. Numeroso é também o
número de voluntários que, através das mais distintas iniciativas, tentam suprir
as lacunas das famílias mais necessitados, ou as carências dos sistemas de
saúde em perigo de colapso. Tanto nas trincheiras de vanguarda, quanto nas
pesquisas de retaguarda, ou ainda correndo por mares bravios e “nunca dantes
navegados” (Camões), um exército de soldados anônimos se mantém de pé, junto à
cruz, em luta com as únicas armas que possuem: a medicina, a dedicação e a
solidariedade.
Voltando
às mulheres que, fiéis até o fim, permaneceram de pé junto à cruz do
Crucificado, e ainda conforme os relatos evangélicos, serão elas as mesmas que,
três dias depois, haverão de espalhar a espantosa notícia sobre o túmulo vazio
e a presença do Ressuscitado. Aquelas que mais de perto e com maior coragem
assistiram à paixão, ao sofrimento e à morte do Mestre, serão posteriormente as
primeiras a espalhar a mensagem da Ressurreição. Quem tocou com os dedos e com
as mãos o corpo de Jesus, preparando-o e perfumando-o para a sepultura, verá
depois, em primeira mão, a luminosidade resplandecente do Cristo vivo. Quanto
mais próximas à terra e ao chão ensanguentado da cruz, mais prontamente deparar-se-ão
com o grande mistério d’Aquele que venceu as trevas e a morte, trazendo a Boa
Nova da luz e da vida. Na fidelidade da
cruz já se vislumbram os sinais da Páscoa.
O
mesmo haverá de ocorrer com esta tragédia do Covid-19. Aqueles que mais de
perto estão acompanhando os doentes, os mortos e seus respectivos familiares,
serão os mesmos que, cedo ou tarde – e tomara que seja o quanto antes – haverão
de anunciar a Boa Nova da vitória sobre a pandemia. Não será em vão o esforço
conjunto e combinado dos agentes sanitários, no sentido de reunir tantas energias
para evitar um mal maior. Tampouco será em vão o empenho comum dos cientistas e
autoridades na descoberta de novas armas contra esse inimigo, simultaneamente tão
minúsculo e tão poderoso. E não será em vão, da mesma forma, as centenas e
milhares de gestos solidários que se propagam pelo mundo afora.
Experimentos
se repetem, lições se multiplicam, enriquecendo-se reciprocamente. Com elas,
instala-se um processo unificado para combater a morte e salvar a vida.
Descobre-se que, direta ou indiretamente, a pandemia tem a ver com a forma de
relação entre ser humano e natureza. Resulta evidente que a retomada da
produção a ritmos hiperacelerados e o consumo frenético devem ser revistos. Os
recursos do planeta Terra não são inesgotáveis. Qual o desafio para a
humanidade? Aprender a cuidar da “nossa
casa comum”, através de um desenvolvimento social e ecologicamente
sustentável. Além disso, redimensionar a economia globalizada que, ao
concentrar simultaneamente riqueza e exclusão social, torna injusta e desigual
a distribuição da renda. Somente assim, os que hoje estão em contato direto com
a doença e a morte poderão amanhã anunciar a Boa Nova de que a vida haverá de
ser recriada!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs,
vice-presidente do SPM – Rio de janeiro, 15 de março de 2020
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