A
locomotiva do governo Jair Bolsonaro, especialmente em suas instâncias
superiores, parece movida a cheiro de pólvora. Os disparos sucedem-se cerrados,
furiosos e sem trégua: contra a imprensa em geral, e contra todo tipo de informação
que não esteja de acordo com o viés ideológico do presidente; contra a
sociedade civil organizada, de modo particular os ativistas que denunciam o
aquecimento global e lutam pela preservação do meio ambiente, bem como os
defensores dos povos indígenas, das comunidades ribeirinhas e quilombolas;
contra os mais variados representantes da ciência e das expressões culturais;
contra as legítimas instituições da prática política democrática; contra os
defensores dos direitos humanos, raivosamente chamados de “comunistas e
esquerdistas”!...
Não
há descanso nem folga para o gabinete do ódio e a fábrica de fake news. A metralhadora dos ataques,
ofensas e difamações cospe bala e mentiras em todas as direções. Enquanto os
companheiros de campanha e de governo, antes indispensáveis e hoje indesejados,
acabam sendo fritados em fogo lento, os opositores são alvejados impiedosamente
como inimigos do povo brasileiro e do progresso. Ódio, vingança e raiva se
fundem para formar a única moeda válida em circulação no entorno no clã
ampliado do bolsonarismo. A ideologia olavista vinda do Norte, por sua vez,
cimenta a química dos ventos funestos que varrem os céus do Planalto Central.
Poder e ignorância se unem numa mistura de graves consequências.
Tampouco
falta o fogo sagrado, vindo do alto de um fanatismo fundamentalista altamente
nocivo e cheio de armadilhas perigosas. Fogo já aceso e vivo durante o tempo de
campanha: “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, dizia o slogan da
candidatura. No decorrer dos séculos, aliás, a aliança entre trono e altar, não
importando o credo, a bandeira ou o colorido religioso, desencadeou em geral
incêndios devastadores sobre a face da terra, queimando pessoas, grupos, categorias,
povos, etnias... tidos como “ímpios e inimigos de Deus”. Ademais, toda
manipulação de caráter religioso, político ou ideológico, seja ela utilizada
tanto à direita quanto à esquerda, costuma ter resultados obscurantistas
imprevisíveis.
Em
lugar do bom senso e do diálogo racionalmente argumentativo – próprio de todo
processo histórico-democrático do equilíbrio entre os três poderes constituídos
(executivo, legislativo e judiciário) – prevalecem os rompantes impulsivos e
imediatistas, onde os instintos e paixões deixam marcas indeléveis e
irreversíveis. Tendem a prevalecer, de igual forma, as decisões intempestivas e
autoritárias, o que termina dando margem aos avanços e recuos, ditos e não
ditos, mandos e desmandos, nomeações e exonerações, feitos e desfeitos... Tal
como na iniciativa privada, também no serviço público não há mais empregos
fixos e estáveis. Todo trabalho tem a marca da provisoriedade e do descarte, o
que leva ao aumento do desemprego, da migração e das atividades informais.
Desnecessário
acrescentar o desfile de males que esse clima de ódio e ataques constantes traz
à segurança econômica e à estabilidade social. Convém não esquecer, por outro
lado, que o Sr. Mercado, personagem central e imperativo dos tempos
contemporâneos, respira um humor sempre instável, passando do riso ao pranto e
deste à carranca em questão de instantes. Que o digam os indicadores econômicos
da bolsa de valores, da cotação do dólar, da taxa de juros, do crescimento do
PIB e outros que tais. Numa palavra, quando o cheiro de pólvora contamina o ar
e dissemina o terror, enquanto os produtores tendem a se precaverem e os
consumidores a se esconderem, florescem os oportunistas e especuladores.
Resulta que o cassino global do mercado financeiro ganha espaço em detrimento
dos setores produtivos. Evidente que a presença indesejada do estranho coronavírus derruba ainda mais as
expectativas, já debilitadas, seja de quem produz como e de quem comercializa e
consome. Qualquer trovoada na esfera do governo e de sua relação com as
instituições semeia temor e leva as pessoas ao refúgio.
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs,
vice-presidente do SPM, São Paulo, 24 de fevereiro de 2020
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