Haiti, um país empobrecido, destruído: Historicamente o Haiti foi expropriado pelo sistema colonial. Não obstante, foi o primeiro país da América Latina e a primeira República negra a tornar-se independente. Mas, por décadas, grandes potências sustentaram ditaduras político-econômicas e desestabilizaram quaisquer iniciativas de democratização e justiça no país, inviabilizando a promoção de um desenvolvimento socioeconômico que possibilitasse vida e trabalho dignos à população. Nesse contexto, milhares de haitianos são forçados a migrar para fugir da pobreza.
Terremoto e ajuda humanitária: Em janeiro de 2010, um terremoto devastou o Haiti. Cerca de 3,5 milhões de pessoas (1/3 da população) foram atingidas e a migração se intensificou. Após o terremoto, houve uma mobilização internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU) indicou o Brasil para coordenar a ajuda humanitária ao Haiti auxiliando na organização da infraestrutura social. Além disso, à época, o então Presidente Lula abriu as portas do Brasil aos haitianos que desejassem reconstruir suas vidas. Compromisso este mantido pela Presidenta Dilma Rouseff.
Lentidão da ajuda humanitária, discriminação internacional? Dois anos após o anúncio da ajuda humanitária internacional, muito pouco da infraestrutura social do Haiti foi recuperada. Curiosamente, EUA e Japão que também sofreram catástrofes, se recuperaram rápido. Isto sugere algumas questões. A lentidão da ajuda humanitária ao Haiti estaria relacionada à negritude do seu povo? Discriminação internacional? Que papel as tropas militares brasileiras tem desempenhado na reconstrução social do Haiti? Como elas estão atuando? Para além do terremoto, um problema social maior grassa desde a colônia até os dias atuais, qual seja: o empobrecimento do Haiti, a corrupção e a prática de políticas unilaterais que bloqueiam sua reconstrução social e democrática.
Intensificação da migração, clandestinidade e contrabando de pessoas: estes são alguns dos desdobramentos do terremoto e da ineficiente ajuda humanitária. Sem documentação, os haitianos entram no Brasil sofrendo humilhações, abusos, roubos, etc. Em sua rota, passam pela República Dominicana, Panamá, Equador, Peru, até chegar a Tabatinga e Brasileia – fronteira brasileira – onde aguardam a concessão de um ‘Pedido de Visto de refugiado’. Depois, seguem para Porto Velho, Manaus e outras regiões brasileiras. Toda esta viagem custa cerca de quatro mil dólares, pagos aos “coiotes”. Ademais, a Pastoral dos Migrantes vem constatando que muitos haitianos não procedem diretamente do Haiti, mas de outros países em crises econômicas e de empregos. O Governo do Acre assiste parte desses imigrantes. No entanto, já sinalizou que não têm mais condições de fazê-lo.
Presença da Igreja e acolhida: A Igreja Católica, através das Congregações Scalabrinianas (Irmãs e Padres) e da Pastoral dos Migrantes (SPM) esforça-se para acolher esses imigrantes viabilizando-lhes casa, alimentos, remédios, cursos de língua portuguesa, cursos profissionalizantes, e, encaminhando-os para postos de trabalho em Manaus, Rondônia, Acre, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais.
Restrição à migração e contradições nacionais: Constatando que imigrantes haitianos ingressam no Brasil de forma contrabandeada, o Estado brasileiro decidiu restringir as entradas a um número de 1.200 por ano. Para o governo, essa decisão inibiria os “coiotes” e controlaria a imigração haitiana. São muito importantes e necessárias as ações de combate ao contrabando de pessoas, mas, o Estado brasileiro não deixa claros os critérios para a concessão de “Vistos” e desconsidera que a restrição à imigração implica a intensificação da migração indocumentada, na violação de direitos humanos e abre caminho para a migração seletiva que prioriza profissionais qualificados. Nesse sentido, o que se percebe é uma contradição nos compromissos humanitários assumidos.
Reconstrução do Haiti, uma proposta para a ajuda internacional humanitária: As condições em que ocorre a imigração haitiana devem ser enfrentadas com firmeza pela ajuda humanitária internacional, sempre resguardando a defesa e promoção dos direitos humanos e a solidariedade. Nesse sentido, uma ação fundamental é a imediata reconstrução das organizações socioeconômicas do Haiti, criando condições para que as pessoas possam escolher MIGRAR ou FICAR em seu país.
Nesse sentido, propomos ao Governo brasileiro que:
1 – O Governo do Brasil – em visita ao Haiti, prevista para o início de fevereiro 2012 – desencadeie e coordene uma campanha internacional para a imediata reconstrução do Haiti em suas bases sociais, econômicas, culturais e ambientais, criando condições concretas para que os haitianos possam escolher entre MIGRAR ou exercer seu direito de FICAR no seu país com dignidade humana. Sem essas condições, documentadas ou não, as pessoas continuarão a migrar para fugir da pobreza e tentar reconstruir suas vidas em outros países;
2 – A ajuda humanitária internacional auxilie na organização política e social do Haiti, viabilizando a ampla participação da população em processos decisórios de forma democrática e multilateral, impedindo que políticas unilaterais – que ainda grassam no Haiti – bloqueiem a reconstrução política, social e econômica sustentável do país;
3 – O Governo do Brasil formule e implemente políticas migratórias que privilegiem o bem estar da pessoa humana em suas bases políticas, sociais, econômicas, culturais e ambientais;
4 – O Governo do Brasil seja signatário da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias - Adotada pela Resolução 45/158, de 18 de Dezembro de 1990.
Reafirmamos nosso compromisso de permanecer apoiando a luta dos migrantes por dignidade, justiça e protagonismo político, social, econômico, cultural, religioso, ambiental, etc. Colocamo-nos à disposição de apoiar o Estado brasileiro na elaboração e implementação das ações sugeridas.
SPM - Serviço Pastoral dos Migrantes
São Paulo, Janeiro de 2012
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