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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

OS TERREMOTOS NO HAITI

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS


O abalo sísmico que recentemente devastou a capital do Haiti, Porto Príncipe, e seus arredores, só fez desvendar outros abalos sísmicos, históricos e estruturais, que marcam a face desfigurada daquele país. Primeiramente, temos os tremores políticos. Segundo país das Américas a conquistar a independência, só perdendo para os Estados Unidos, o Haiti revela uma trajetória de grande turbulência. A revolta dos escravos na ex-colônia francesa tentou forjar uma república negra ou afro-americana , única no continente, mas raramente logrou uma estabilidade política sobre a qual construir as bases de uma nação minimamente autônoma. De um extremo ao outro, da ditadura ao desgoverno, a instabilidade e a insegurança são páginas dolorosas e às vezes sangrentas de sua história.


Também do ponto de vista econômico, a nova república não conseguiu levantar os alicerces de uma infra-estrutura sólida, robusta e sustentável. Os empreendimentos na agricultura, por exemplo, não tem dado conta de matar a fome crônica de seus habitantes. Mais precárias ainda são as fontes energéticas, a tecnologia e a malha viária e portuária. Como no campo da política, a produção agrícola e industrial não floresceu em direção a uma economia minimamente autônoma. Os embargos sofridos pela ilha pioraram ainda mais se desenvolvimento.


Filho dessa política e dessa economia, o campo social resultou um caos generalizado ao longo dos séculos. Igualmente aqui, as turbulências não foram menos profundas. A pobreza e a miséria recorrentes degeneram em saques e revoltas, onde a criação e/ou fortalecimento de grupos rivais, mescladamente étnicos e sociais, ganha dimensões trágicas, violentas e, não raro, conflitos sanguinários. O índice de alfabetização e de escolaridade constitui um dos mais baixos do planeta, equiparando-se aos países mais pobres da África subsaariana.


Quando cidadãos que reverenciam a mesma bandeira e cantam o mesmo hino nacional, nas ruas e à plena luz do dia, disputam aos gritos, socos e empurrões caixas de comida, recipientes de água e um lugar na fila, algo se rompeu definitivamente na chamada civilização humana. Irreversivelmente, o tecido social se rasga e a dignidade da pessoa humana se vê aviltada e pisoteada.


Na Haiti, a precariedade na saúde, nos transportes públicos, na habitação e no consumo de um mínimo de calorias diárias é notória e mundialmente conhecida. Conhecida mas historicamente ignorada! A verdade é que o mundo, especialmente os países ricos, a começar pela antiga colonizadora França, tem marchado para o progresso indiferente ao abandono do Haiti, bem como de outros países do Caribe, da América do Sul, da África e da Ásia. Talvez a pronta solidariedade frente ao terremoto recente expresse, entre outras coisas, um sentimento de culpa desses países centrais. Uma forma de se ressarcir e purgar a indiferença passada. Daí o atropelo, a disputa e, por que não dizer, o caos pelo comando da ação humanitária.


Os abalos sísmicos - terremotos, revoluções, transformações tecnológicas ou políticas, culturais ou sociais – além de desnudar as feridas de uma nação esquecida, costumam também trazer lições. Lições duras e sofridas, aprendidas no fogo que torce o ferro e o aço. Quem sabe se abre um momento histórico não apenas para uma ação humanitária às vítimas do Haiti devastado, mas para a reconstrução conjunta da dignidade de todo um povo, de uma república e de uma esperança! Não bastam conferências e jogo de retórica, não basta jogar para a platéia. Faz-se necessário e urgente um investimento maciço para salvar a utopia de uma nação cuja bandeira expõe os símbolos da teimosia e da resistência.


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