Mais
de 100 mil órfãos da pátria, precocemente ceifados pela Covid-19. Talvez seja
razoável falar em órfãos do governo, ou melhor, órfãos do atual governo. Cem
mil que não representam apenas uma cifra, e sim nomes, rostos, vidas, lutas e
sonhos interrompidos, famílias enlutadas. Olhares e sorrisos que se apagaram.
Certo, a memória de quem espalhou a boa semente sobre a face da terra jamais se
extingue. Mas a separação é sempre dolorida e clama ao céu. E grita sobretudo
quando tem consciência que milhares dessas mortes poderiam ser evitadas.
Como
explicar tamanha tragédia? Por que a pandemia encontrou solo fértil no Brasil?
E por que a sensação de que o flagelo poderia, sim, ser menor? Por que tanto
sofrimento e tantas lágrimas engolidas e silenciadas, de modo particular entre
os extratos mais pobres da sociedade? O que faltou, ou então o que sobrou por
que do governo? Sobrou negligência, indiferença, e mesmo deboche e escárnio;
faltou um gesto, uma palavra, um plano nacional de combate a esse inimigo
invisível e, por isso mesmo, mais contagioso e letal.
Sobraram
erros e discórdias, faltaram sentimentos primários e primordiais. Aqueles que,
em todo mundo, entrelaçam corações e almas, mentes e espíritos. Os equívocos
tiveram início com a falaciosa contraposição entre saúde e economia. Ambas
andam de mãos dadas e não podem ser separadas. Um país saudável robustece a
economia, da mesma forma que uma economia responsável revigora a existência e a
confiança. Mas o desleixo não parou por aí! O Brasil tem sido um dos países que
menos testam, o que equivale a um controle menor sobre o contágio e os óbitos.
E mesmo com tão poucos testes, o país ultrapassou a marca de 3 milhões de
infectados, juntamente com os mais de 100 mil mortos. Órfãos de um governo
ausente, os quais, por sua vez, deixaram milhares de famílias igualmente órfãs.
“E daí!”...
Certamente
a história haverá de fazer o inventário completo e julgar seja o mutismo ostensivo
e desrespeitoso do supremo mandatário, seja o barulho frequente e estridente
por ele emitido no palácio do Planalto. Barulho feito de ruídos que
repercutiram perfidamente em termos mundiais. Ruído raivoso e difamatório das
fake news, fabricadas e divulgadas pelo “gabinete do ódio” e com dinheiro
público; espetáculo bizarro e insistente sobre a famigerada cloroquina, remédio
nunca recomendado abertamente pela ciência médica; estardalhaço imperdoável no
Ministério da Saúde onde, em plena evolução da pandemia, nada menos do que dois
ministros foram sumariamente dispensados, pelo simples fato der não concordarem
com a receita apresentada pelo capitão como panaceia a todos os males.
Os
historiadores, além disso, jamais poderão poupar as repetidas insubordinações
do presidente Bolsonaro, no sentido de desrespeitar o uso da máscara e de
provocar seguidas aglomerações no “cercadinho do Planalto”. Isso para sequer
falar de sua cobertura aos atentados contra o poder Judiciário, contra o
Congresso Nacional e contra as instituições e mecanismos democráticos em seu
conjunto, como também de seus obsessivos ataques aos meios de comunicação
social, aos cientistas, artistas, professores, etc. E que dizer da tentativa de
esconder os números referentes aos infectados e vítimas fatais do novo
coronavírus!
Menos
ainda tais historiadores fecharão os olhos a um governo centrado não tanto nas
urgências e necessidades básicas da nação brasileira, mas na defesa do grupo
familiar e da seita de amigos e fanáticos. Para finalizar, vale uma pergunta
nada cômoda: por que os cofres públicos (numa palavra, os cidadãos que pagam
seus impostos devidamente) devem arcar com os altos custos de manutenção de um
presidente, de um senador ou de um deputado cujos mandatos servem mais para a
autodefesa diante dos procuradores e tribunais, ou para garantir a própria
impunidade, do que para o bem-estar da população?
Pe.
Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 10 de agosto
de 2020
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