Definitivamente
não! Ou melhor, sim e não. Se de um lado
é verdade que habitamos todos o mesmo planeta Terra, de outro também é certo
que uma minoria muita rica e poderosa tem condições infinitamente melhores para
se defender. Defender-se de quê? Em primeiro lugar, da pandemia do Covid-19 que
devasta o mundo inteiro e que pode matar mais de meio milhão de pessoas. Mas
defender-se igualmente dos efeitos nefastos causados pela deterioração do meio
ambiente, pela contaminação do mar, do ar e das águas, pelo aquecimento global,
pelo ritmo alucinado de produção, consumo e descarte imposto pelo sistema
capitalista.
No
caso da pandemia do coronavírus, a constatação tem sido simples e imediata.
Inicialmente, a doença começou a ser disseminada pelos que têm condições de
viajar, muitos deles turistas ou técnicos especialistas das multinacionais. A
sua letalidade, porém, verificou-se maior entre os pobres e os negros, as
minorias étnicas e os imigrantes, com destaque para grande número de
indocumentados “escondidos nos porões da sociedade” (p. ex., Massachussets,
Califórnia e Flórida, USA, além de vários países da Europa). Embora o vírus chegue
pelos aeroportos e cruzeiros, é nas favelas e periferias que esse “inimigo
invisível” ceifa mais vidas. Conhecemos o caso da patroa que contraiu a doença
e contagiou a empregada doméstica. Enquanto esta última veio a óbito, a outra sequer
desenvolveu os sintomas. Ou seja, o nível de vida e a boa nutrição das classes
altas não apenas confere uma armadura mais saudável contra os ataques do vírus,
mas também lhes abre prontamente o acesso ao sistema de saúde e a um tratamento
mais digno. Estamos todos no mesmo barco, mas em condições profundamente
desiguais.
Vale
o mesmo diante do vírus do lucro e da acumulação capitalista, dois motores que
movem a economia globalizada. A ambição descontrolada pelo dinheiro e o poder –
irmãos gêmeos que se protegem e fortalecem reciprocamente– há séculos vem
destruindo os ecossistemas, em nível regional, bem como a natureza e o todo
meio ambiente, em nível universal. A Carta Encíclica Laudato Si’, publicada em maio de 2015 pelo Papa Francisco consiste,
ao mesmo tempo, em uma testemunha e uma denúncia dessa destruição irreversível.
Os resultados se manifestam no fenômeno das catástrofes extremadas, tais como
estiagens prolongadas e inundações, frio e calor cada vez mais acentuados,
furacões e ciclones, e assim por diante.
Também
neste caso, embora estejamos todos no mesmo barco, torna-se escandaloso e
estridente o desequilíbrio entre pobres e ricos. Enquanto os primeiros
representam as vítimas imediatas de cada catástrofe, perdendo seus entes
queridos ou tendo que fugir da terra em que nasceram, os segundos apelam para
uma série de mecanismos de proteção. O dinheiro e, através dele, a força e influência
política os defendem. Têm condições de se refugiar nos “arquipélagos da
riqueza”, pagando preços elevados. Daí o alerta do pontífice segundo o qual,
além de preservar “nossa casa comum”,
torna-se urgente distribuir de forma justa e equânime as riquezas produzidas
pelo trabalho de todos. Basta com a “globalização da indiferença” – diz o Papa
– fonte de enormes assimetrias sociais, e que “exclui, descarta e mata”.
Vale
concluir com as palavras de Richard Melville Hall (nome artístico de Moby),
conhecido mundialmente como o astro do rock e da música eletrônica: “Um dos
aspectos mais frustrantes do que estamos vivendo como espécie é que todo o
problema que enfrentamos é um problema que nós mesmos criamos. A receita para
transformar nosso planeta em um paraíso é algo muito fácil: basta parar de usar
petróleo e carvão, de derrubar as florestas tropicais, de usar animais como
alimento e de gastar mais dinheiro em defesa do que em educação. Acho que
podemos consertar tudo. Nós só decidimos não consertar. Espero que a pandemia
nos faça ver que o ‘velho normal’ poderia ser até confortável, mas também era
totalmente insustentável. A minha esperança é que tenhamos logo um ‘novo
normal’” (Cfr. ESSINGER, Silvio, in: O DJ
que não vai a boate e a raves, Jornal O
Globo, 25/05/2020, segundo caderno, pág. 1).
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs,
vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 1º de junho de 2020
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