Em 2017, neste dia oito de março, a
oitava Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, organizada pelo Polo
da Borborema, uma articulação de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da
região da Borborema na Paraíba em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e
Agroecologia, levou às ruas do município de Alagoa Nova, no Brejo Paraibano, um
grito pela liberdade das mulheres e contra a chamada ‘cultura do estupro’, que
é quando em uma sociedade, a violência sexual é naturalizada por meio da culpabilização das vítimas.
Outra grande pauta trazida pela Marcha
em 2017, foi o repúdio à reforma da Previdência Social proposta pelo governo de
Michel Temer (PMDB), por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
287/2016, que atualmente está em discussão no Congresso Nacional. Para as
mulheres, a proposta significa um forte retrocesso no que diz respeito a
direitos já conquistados, como a diferença de idade mínima para aposentadoria
entre homens e mulheres de cinco anos a menos para as mulheres, a acumulação
dos benefícios de pensão por morte e a aposentadoria e até a própria condição
de segurado especial para trabalhadores e trabalhadoras rurais.
A programação teve início com a
concentração, a partir das 8h, na Lagoa do Parque Manoel Pereira, no bairro
Mário Lima, onde foi feita a animação e acolhida às centenas de caravanas que
traziam mulheres dos municípios do Polo, de outras regiões da Paraíba e de
estados vizinhos. Daniele Duarte, da direção do Sindicato dos Trabalhadores e
das Trabalhadoras Rurais de Alagoa Nova, fez a abertura oficial da VIII Marcha:
“Nós não viemos aqui para nos amostrar, cada mulher que está aqui sabe muito
bem o que viemos fazer. E nós estamos radiantes de felicidade por receber um
evento tão grandioso como esse aqui no nosso município. Lutamos pela vida das
mulheres e pela agroecologia”, disse.
Alessandra Luna, secretária de mulheres
da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da
coordenação da Marcha das Margaridas, fez uma fala sobre o significado do 8 de
março em uma conjuntura política de avanço do conservadorismo e retrocesso com
a retirada de direitos, a partir da proposta de reforma da Previdência: “O 8 de
março de 2017 é mais que nunca, um dia de luta contra os retrocessos como essa
reforma da Previdência. Sabemos que esse é só mais um passo na consolidação do
golpe que foi dado, mas não podemos aceitar que se iguale, por exemplo, a idade
entre homens e mulheres para aposentadoria. Como ter direitos iguais se nós não
conquistamos ainda condições iguais? Quem é mulher sabe que as condições não
são iguais, sente o peso da sua jornada de trabalho. Então fazer esse corte
raso, só pela idade, é acabar com uma das poucas políticas que temos de
reparação. Dizer para as populações mais pobres que você só vai se aposentar
aos 65 anos, é o mesmo que dizer que você vai morrer sem o direito de se
aposentar. Quem está propondo isso não sabe o que é viver com um salário
mínimo. Você não poder acumular a pensão por morte e a aposentadoria também,
quando a gente sabe que é um direito adquirido pela pessoa que morreu”, afirmou
a liderança.
Após as falas, houve a apresentação da
peça “Zefinha não tem culpa!” encenada pelo Grupo de Teatro Amador do Polo da
Borborema. Esse ano, a peça trouxe a história de uma jovem agricultora que é
abusada e estuprada por um conhecido de sua família. Mesmo vítima, Zefinha é
acusada de ter ‘provocado o estuprador’ ao usar uma roupa curta e andar sozinha,
sofrendo dessa forma uma dupla violência. No entanto, através de uma rede de
apoio e acolhimento à jovem, sua família consegue perceber que em casos de
violência sexual contra as mulheres só existe um culpado: o homem que estupra.
Ao final, o estuprador é punido. Após a peça, as mulheres da coordenação do
Polo perguntam à plateia: “O que aconteceu com Zefinha poderia acontecer com
uma de nossas filhas? Com nossa vizinha? Vocês acham que ela tem culpa? Então
de quem é a culpa?”.
Após a peça as mulheres saíram em
caminhada pelas ruas da cidade. Foi feita uma parada no meio do percurso, onde
aconteceu um ato público em memória de Margarida Maria Alves, sindicalista
assassinada a tiros a mando de latifundiários da região, em 1983. Margarida
dedicou sua vida à luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e, em especial,
às mulheres. Presidente do sindicato rural do município vizinho, Alagoa Grande,
a memória da liderança inspira até hoje a luta camponesa por mais direitos.
Segurando flores em apologia ao seu
nome, um grupo de mulheres cantou a letra “Canção pra Margarida” do cantor e
compositor de Zé Vicente. A agricultora Maria de Lourdes de Sousa, ou dona
‘Quinca’ como é conhecida, de 66 anos, liderança do sindicato dos trabalhadores
rurais de Alagoa Nova, que lutou ao lado de Margarida, fez uma fala resgatando
a trajetória da companheira sindicalista e reafirmando o compromisso de seguir
lutando para manter as conquistas de Margarida. Quase 40 anos depois de sua
morte, as mulheres se encontram novamente no Brejo Paraibano para voltar a
lutar, agora pela manutenção dos direitos já conquistados. Surgiram mulheres
segurando enxadas com lenços lilás que gritaram palavras de ordem e de rechaço
à reforma da Previdência. Foram lembrados os nomes dos 11 deputados federais
paraibanos que ainda não se posicionaram contra a proposta na Câmara dos
Deputados, exigindo o voto contrário.
A caminhada seguiu até a Praça João Pessoa,
no Centro de Alagoa Nova, onde em um segundo palco montado no local houve o
show de Lia de Itamaracá, acompanhada pelas também cirandeiras conhecidas como
“As filhas de Baracho”, considerado o rei da ciranda. Com muita animação, as
participantes da marcha dançaram ao ritmo da ciranda e do coco de roda.
Visitaram ainda a feira de “sabores e saberes” com venda e exposição de
produtos e experiências de mulheres trabalhadoras dos municípios do Polo da
Borborema.
A mística de encerramento mostrou um
grupo de mulheres que tem uma caminhada histórica de luta e resistência pela
agricultura familiar na região. Empunhando suas enxadas, elas gritaram
“Margarida virou 100, Margarida virou mil, Margarida virou milhão!”. Em um
gesto simbólico, as mulheres de idade entregaram suas enxadas para um grupo do
mesmo tamanho de mulheres jovens, para dizer que a luta de Margarida que elas
ajudaram a seguir, precisa continuar, e pelas mãos da juventude. “A gente quer
sair daqui levando a mensagem de que a enxada não é um símbolo de sofrimento.
Mas o nosso instrumento de trabalho, na nossa missão de produzir o alimento.
Pra nós, ela é sagrada e símbolo de luta, de vida e de esperança”, afirmou Roselita
Vitor, da coordenação do Polo.
Para Adriana Galvão Freire, assessora
técnica da AS-PTA e da coordenação da Marcha, um dos grandes legados das oito
edições da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia é a consolidação
do protagonismo das mulheres na luta política assumida pelo Polo da Borborema,
a partir de sua atuação no movimento sindical: “Hoje em dia, as mulheres estão
cada vez mais presentes nos espaços de poder, na presidência e nas direções dos
sindicatos e das associações, como gestoras de fundos rotativos solidários e de
feiras agroecológicas. Hoje os sindicatos do território não têm mulheres em
seus espaços por uma questão de cota, mas sim porque entendem a importância e o
papel das mulheres na construção do seu projeto político”, frisou.
Fonte: http://aspta.org.br/
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