No VII Fórum Social Mundial das Migrações, as e os participantes, 3.600 militantes e ativistas vindos de 57 países de todos os continentes, reunidos na Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, Brasil, de 7 a 10 de julho de 2016, manifestamos na finalização desse importante encontro:
1. Sob a temática “Migrantes construindo alternativas frente à desordem e a crise global do capital”, voltamos a destacar que a causa estrutural do caráter forçado que tem assumido a migração, o deslocamento e o refúgio de milhões de seres humanos nessa era, é oriundo da natureza brutal que tem assumido o capitalismo contemporâneo.
2. A humanidade vivência momentos dramáticos. O imperialismo estadunidense e seus aliados, no capitalismo central e periférico, resolveram enfrentar as tendências de mudança que ameaçam sua hegemonia no mundo com uma escalada de agressões em nível planetário, lançando uma verdadeira guerra contra a humanidade e contra a mãe natureza que nos acolhe.
3. Essa ofensiva é orquestrada pelo imperialismo e pelo poder corporativo que o serve, onde um grande número de empresas multinacionais concentra aproximadamente 50% da riqueza mundial, 93% das patentes globais e transações financeiras que triplicam o produto mundial. Estes fatores levam à recolonização imperialista do capitalismo periférico, num processo de acumulação por desapropriação, com superexploração do trabalho e expropriação da natureza. Isso leva o planeta a uma crise civilizatória, que ameaça a sobrevivência do gênero humano.
4. Os países do Sul Global, da Ásia, África, América Latina e o Caribe estão sendo novamente cercados pela guerra, pela desestabilização econômica e política, pelo saque de nossos bens comuns (tangíveis e intangíveis), pela exploração, pela subalternidade da soberania a novos Tratados com pretensão geopolítica e à criminalização dos movimentos sociais: em suma, uma barreira aos processos que podem dar início a uma mudança sistêmica e multidimensional.
5. Essa ofensiva imperialista do século XXI representa uma dupla agressão contra os trabalhadores e trabalhadoras, incluindo os e as migrantes, deslocados e deslocadas, refugiados e refugiadas, em nível nacional e internacional. Apenas 30% dos trabalhadores e trabalhadoras do mundo têm acesso ao trabalho formal, porém, cada vez mais ameaçado pela precarização. Da mesma forma, os/as migrantes e deslocados internos, que na atualidade são um bilhão de pessoas e que em conjunto representam cerca de 30% da força de trabalho do planeta, continuam a ser o segmento mais vulnerável e que hoje enfrenta barreiras e muros nunca antes enfrentados.
6. As resistências dos povos ao capitalismo neoliberal abriram passo nas últimas duas décadas a processos de mudança e um novo ciclo de mobilizações, particularmente na América Latina. Nesse contexto, foi possível impor avanços democráticos e concretizar práticas e debates na construção de um novo paradigma civilizatório.
7. Por outro lado, a nova contraofensiva imperialista, aliada às oligarquias locais e ao poder que estes mantêm sobre os meios de comunicação, sobre os parlamentos e sobre o poder judiciário, nos últimos anos, busca frear estes processos e as conquistas atingidas nas democracias e na integração regional que vem se desenvolvendo, desestabilizando os governos progressistas que surgiram como fruto
dos processos de mudança abertos pela mobilização popular.
8. Em particular, ao realizar este VII Fórum Social Mundial das Migrações, na cidade de São Paulo, no Brasil, enfatizamos o nosso repúdio ao golpe de estado com que se tenta destituir o governo democraticamente eleito neste país, na tentativa de reverter os avanços nas políticas públicas com enfoque nos direitos humanos e nos processos de integração regional.
9. Talvez possam desestabilizar temporariamente estes governos, mas não conseguirão deter as resistências e rebeldias de nossos povos, que persistirão na luta enquanto sujeitos históricos de transformação, com vistas a criar um mundo no qual existam muitos mundos.
10. Neste contexto, foram debatidos seis eixos temáticos, com um total de sete plenárias e mais de 165 oficinas e debates realizados por meio de atividades autogestionadas. Em todas elas estão destacadas a voz das mulheres e dos jovens como protagonistas centrais deste fórum. Os seis eixos temáticos que organizados para o intercâmbio e debate de experiências foram:
Eixo 1: A crise sistêmica do modelo capitalista e suas consequências para as migrações
As e os migrantes e refugiados reunidos no fórum denunciam que continua a xenofobia, o racismo e o sexismo, muitas vezes provocados por diferentes formas de violência e opressão que imperam na sociedade de destino, assim como pela precariedade em que ocorre regularmente a mobilidade humana. Assim como o mito estendido que associa a migração com a delinquência, alimentado pelos meios de comunicação hegemônicos e reforçado por leis de securitização dos governos neoliberais, o que permite justificar a necessidade de intensificar a militarização das fronteiras. Portanto, declaramos a importância de reconhecer as e os migrantes como sujeitos de direito e de políticas públicas inclusivas, entre outros, para meninos, meninas e adolescentes, combater a precarização dos direitos trabalhistas, das e dos migrantes e buscar uma melhoria de suas condições socioeconómicas. É fundamental reforçar também a formação política das e dos migrantes, garantir seu direito ao voto e a ser eleito, para sua inclusão plena como cidadão e cidadã nos países de residência.
Eixo 2: Resistências e alternativas dos sujeitos migrantes
Apoiamos a reivindicação do direito do povo palestino a retornar a seu território, consagrado na Resolução 194 das Nações Unidas; a supressão das atuais políticas locais, estatais e federais que criminalizam as e os migrantes e refugiados; a necessidade de modificação do marco jurídico atual; e ao mesmo tempo repudiamos a estigmatização e criminalização dos fluxos migratórios, assim como a negação de seus direitos humanos. Entre as propostas levantadas, destacamos: promover a integração das diferenças culturais desde a sensibilização, a modificação do marco legal atual de migrantes e refugiados, a elaboração de uma declaração pública contra as políticas do Estado de Israel e apoiando a reivindicação dos direitos palestinos pela via do Boicote Econômico, Desinvestimento e Sanções (BDS) e outras formas de resistência. Fazemos um chamado à solidariedade com o Povo Palestino, a união internacional das lutas e as reivindicações das e dos migrantes e refugiados, e a consagrar o direito à livre circulação.
Eixo 3: Migração, gênero e corpo
A luta contra o silenciamento da situação que afeta as mulheres migrantes e a ausência de políticas públicas que garantam seus direitos marcaram o debate. Se a população migrante já tem seus direitos reduzidos, as mulheres migrantes são ainda mais invisíveis, dada a naturalização das opressões sistêmicas as quais estão expostas. Exigimos, portanto, o fim da colonização dos nossos corpos, que a se expressa por meio de múltiplas opressões, como: a desvalorização do trabalho feminino; a violência doméstica, obstétrica e psicológica; o tráfico de imigrantes, o tráfico com fins de exploração sexual e laboral; a imposição da heteronormatividade, entre outras causas que configuram uma indústria de exploração dos imigrantes. Diante deste cenário, é fundamental o reconhecimento do protagonismo e do empoderamento das mulheres, a formulação de políticas públicas que reconheçam a especificidade das relações de gênero associadas aos fluxos migratórios contemporâneos, desde uma perspectiva de gênero ampliada que inclua também a população LGBTT, considerando os Princípios de Yogyakarta. Da mesma forma, em cada fórum, um mínimo de 50% de participação das mulheres (in) migrantes e refugiados, respeitando a diversidade de etnia, nacionalidade e dissidência sexual e de gênero serão garantidas para assegurar a visibilidade e implementação de espaços para eles, tanto na Comissão Organizadora, Comitê Local Comitê Internacional e Conferências, como em todos os órgãos deliberativos para contribuir para as decisões e a construção do Fórum.
Eixo 4: Migração, os direitos da mãe natureza, a mudança climática e as disputas norte-sul
O capitalismo extrativista, assim como o sistema de produção e de consumo, impacta de maneira direta o meio ambiente e intensifica os efeitos da mudança climática, nos condenando a um futuro no qual cada vez mais pessoas terão que migrar para garantir sua sobrevivência fora dos seus lugares de origem, principalmente as populações mais vulneráveis ao redor do globo. Ainda que invisíveis, atualmente já existem 50 milhões de deslocados ambientais, produto do aquecimento global, e se estima que estes poderiam alcançar 250 milhões de pessoas nas próximas décadas. Propomos, frente a esta crise ambiental e migratória sem precedentes, uma transformação radical do sistema de produção e dos modelos extrativistas, e o fim do agronegócio. Também exigimos proteger os conhecimentos tradicionais das comunidades campesinas e indígenas, e deter a apropriação dos recursos existentes nos territórios ancestrais dos povos originários, sem seu consentimento prévio, livre e informado, como obriga o Convênio 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Exigimos que seja reconhecida a condição de deslocado ambiental forçado e que se garanta um instrumento internacional específico para a proteção dos seus direitos humanos; que se estabeleçam políticas públicas que consideram uma agenda e planejamento estratégico relacionado com a mudança climática, com a participação ativa dos migrantes, afrodescendentes, indígenas e camponeses em sua formulação.
Eixo 5: Direitos humanos, trabalho digno, educação, moradia, participação política e movimentos sociais
Os debates durante o Fórum abordaram este eixo de uma forma multidimensional, privilegiando a crítica a todas as formas de violência, discriminação e exclusão que impedem à população migrante o pleno gozo de seus direitos humanos, o acesso a condições dignas de trabalho e a direitos humanos básicos, como: saúde, educação, moradia, previdência social, acesso à justiça e a consagração de seus direitos na participação política, expresso em seu direito ao voto e a ser eleito, como um direito fundamental das e dos migrantes. Exigimos que seja garantido o acesso à educação e ao conhecimento universal, e o reconhecimento da equivalência de títulos, diplomas e certificados, desde o ensino básico até o superior. Também exigimos que a educação adote modelos não hegemônico, descolonizados e multiculturais como ferramentas de combate a xenofobia e ao trabalho não digno. Exigimos campanhas de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas para a implementação do direito ao trabalho digno e sem discriminação de migrantes e refugiados, fortalecendo sua promoção pelas mais diversificadas vias. Propomos o fortalecimento das redes de organização dos e das migrantes, de centros de investigação e de cultura, a criação de espaços interculturais, a oficialização de unidades multiculturais de saúde das e dos migrantes, entre outras medidas que tendem a fechar a brecha entre os migrantes e a população local.
Eixo 6: Direito a cidade, inclusão social e cidadania dos migrantes
Exigimos o pleno e irrestrito acesso de imigrantes e refugiados à educação, cultura, comunicação, documentação, expressão, saúde, transporte e mobilidade, moradia, acesso à justiça e segurança. Além disso, o desenvolvimento de políticas interculturais em setores como a saúde, educação, recreação, habitação, segurança e cultura, bem como o respeito pela diversidade religiosa das populações migrantes.
11. As propostas reivindicadas neste Fórum servirão para nutrir e enriquecer nossa luta anticapitalista, anti-imperialista, anticolonial e antipatriarcal, que tem nas e nos migrantes, nos trabalhadores e trabalhadoras, nos povos indígenas, nos afrodescendentes, nos pobres da cidade e do campo, nas mulheres e nos movimentos pela diversidade sexual, assim como em outros grupos discriminados, explorados e oprimidos, protagonistas que lutam por outro mundo possível e necessário para a
preservação da Humanidade e da Mãe Terra.
12. Este outro mundo está nascendo a partir de nossas iniciativas e construções sociais, econômicas, políticas e culturais, que são sementes de esperança e vitalidade, baseadas na solidariedade, na celebração da fraternidade, de complementaridade e da diversidade como riqueza de nossos povos, em harmonia com a natureza.
Finalmente, a partir de São Paulo, cidade declarada neste Fórum capital mundial dos migrantes, fazemos um chamado à construção de uma aliança entre movimentos sociais e autoridades locais para avançar a uma cidadania universal e formas alternativas de abordar a migração internacional. Em união com todos os povos explorados e oprimidos do mundo, caminhando juntos em direção à erradicação definitiva do capitalismo e promover uma cultura de vida plena.
Apoiamos plenamente a decisão do Comité Internacional de celebrar o VIII Fórum Social Mundial sobre Migração na Cidade do México, em 2018, sob a coordenação do MIREDES Internacional e da Rede Internacional sobre Migração e Desenvolvimento.
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