Caríssimo Irmão Francisco,
Como é bom nos dirigir ao senhor chamando-o simplesmente de irmão, sem
qualquer outro título que o distancie do projeto de Jesus. Sentimo-nos muito
próximos do senhor por esta sua postura simples e sonhamos com um dia a Igreja
se ver totalmente livre, simples e pobre como Jesus de Nazaré, ao lado dos
pobres com tantos rostos e nomes. Queremos saudar sua presença no Brasil na
Jornada Mundial da Juventude.
Quem somos nós? Somos um conjunto de pastorais da igreja que atuam junto
aos homens e mulheres do campo e das águas: o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), que atua junto aos povos indígenas de todo o Brasil; a Comissão
Pastoral da Terra, CPT, que tem sua atuação junto às diversas categorias de
camponeses e camponesas, junto aos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, aos
pequenos agricultores familiares, às comunidades quilombolas (comunidades
remanescentes formadas por afrodescendentes fugidos da escravidão) e junto aos
trabalhadores que acabam submetidos a condições análogas ao trabalho escravo; o Conselho
Pastoral dos Pescadores, CPP, que tem como objetivo ser presença de
gratuidade evangélica no meio dos pescadores e pescadoras artesanais, estimulando
suas organizações para a preservação do meio ambiente e a permanência em seus
territórios tradicionais; o Serviço Pastoral dos Migrantes, SPM, que
desenvolve sua ação junto às famílias que constantemente migram em busca de
melhores condições de vida, ou de pessoas que todos os anos procuram em outras
regiões, longe de suas casas, trabalhos temporários; a Pastoral
da Juventude Rural, PJR, que atua com os jovens camponeses.
Neste serviço solidário ouvimos todos os dias os gemidos de dor e
angústia de milhares de famílias que foram ou ainda são espoliadas de suas
terras, de seus meios de subsistência e de sua cultura, que são discriminadas e
invisibilizadas. Os direitos destes povos, comunidades e famílias são
constantemente negados para abrir espaço ao avanço de empresas e
empreendimentos capitalistas com seus grandes projetos de “desenvolvimento” com
construção de hidrelétricas, exploração de minérios, monocultivos do
agronegócio e outros que tudo querem transformar em mercadoria.
Quando alguns direitos são reconhecidos, acabam não sendo respeitados.
Para serem reconhecidos é preciso percorrer um penoso e desgastante processo
que se prolonga por décadas. Isto acontece, sobretudo quando se trata do
direito aos territórios dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos
pescadores e ribeirinhos e de outras comunidades tradicionais. Porém o
reconhecimento e regularização destes territórios e a sonhada Reforma Agrária
continuam presentes na sua pauta.
Este trabalho evangélico desenvolvido por bispos, padres, religiosos e
religiosas e, sobretudo, por leigos e leigas sofre o ataque de diversos setores
da sociedade, em especial daqueles que se colocam como os únicos portadores de
direitos, em particular do direito de propriedade e dos que os apoiam. O mais angustiante,
porém, é que esta incompreensão a encontramos também em setores da própria
igreja e da parte de muitos bispos e padres que estão mais ao lado dos que têm
bens e poder, do que ao lado dos pobres.
Irmão Francisco, cada vez que o ouvimos falar que a igreja deve sair de
dentro de suas estruturas e estar ao lado dos pobres para ouvir seus clamores e
sentir de perto seus sofrimentos, nos sentimos apoiados e fortalecidos em nosso
trabalho e em nossa Missão que é a missão samaritana de ajudar a que os caídos
se levantem e caminhem por si, a que os oprimidos ergam a cabeça reconhecendo
sua dignidade de filhos e filhas de Deus.
Gostaríamos imensamente que um dia o senhor pudesse pessoalmente
conhecer de perto a realidade do povo das comunidades com as quais trabalhamos
para dar-lhes uma palavra de incentivo e afeto. Mas como no momento não é
possível, gostaríamos que mesmo de longe envie sua palavra de conforto para
eles que sofrem a cada dia as violências e as ameaças à vida e à
dignidade humana. Que o Senhor que é pai e mãe de todos abençoe seu ministério à frente da
Igreja e abençoe a todos e todas nós.
Dom Enemésio
Lazzaris - Bispo de
Balsas -
MA
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
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