Foto: Thainá Paulino |
“Julgando-se com direitos superiores, melindra-se com o que quer que, a
seu ver, constitua ofensa a seus direitos”. (Allan Kardec).
No início do ano, ganhei de presente um belo quadro contendo uma
fotografia encantadora, real, tocante, inteligentemente clicada pela
adolescente THAINÁ, uma menina residente no Conjunto Mário Andreazza na
cidade de Bayeux, ela é estudante em um dos colégios daquele bairro e
participou de uma oficina de fotocomunicção intitulada “olhares em
transformação”, promovida pela Cáritas Alemã e Pastoral dos Migrantes no
Nordeste, sua foto, ganhou o primeiro lugar e encheu de orgulho seus
professores, a sua escola, os seus colegas.
Thainá fotografou uma criança lá do Mário fazendo um fogo em frente a um
local esquecido, abandonado, longe das preocupações dos homens públicos
da comuna, eu conheço o local, ao fundo temos uma casa onde já
funcionou um cartório e foi depois ocupado por pessoas carentes e a
criança do fogo reside lá, seu único brinquedo é fazer fogo, as crianças
gostam de fogo e Thainá muito sabiamente nomeou a sua obra de “INFÂNCIA
NO FOGO”, pois creio eu, ela na sua mais intensa jovialidade já
descobriu, que a infância dessa criança que ela fotografou e a da
maioria do Mário, infelizmente, encontra-se condenada ao fogo, Thainá,
recém saída da infância para a adolescência, já não acredita nos nossos
dirigentes e sabe que eles não farão nada para salvar a infância do
fogo.
Do fogo da educação, um dos colégios do Mário, o estadual foi
interditado por ferir o mais elementar direito á dignidade humana,
enquanto no Maria do Carmo, o municipal, existe uma grande lagoa de
esgotos no seu interior e em volta de todo o educandário jorra de forma
abundante enxurradas de coliformes fecais e outras excrescências, além
da unidade escolar não possuir portas em banheiros, ligação elétrica
danificada, aliás, lá quase tudo se encontra comprometido, de modo que
não precisa ser um crítico esclarecido para se ter a sensação que a
infância e a adolescência do Mário estão no fogo mesmo.
A saúde é outro fator deficiente, quem mora no Mário (gosto desse
bairro, ele me lembra em muito a minha infância franciscana), não tem
acesso a uma saúde pelo menos regular, isto é apenas um sonho, além da
segurança ser agudamente precária.
As crianças do Mário veem todos os dias seus direitos negados, o
principal deles, o direito de brincar, uma vez que lá não existe nenhum
espaço púbico destinado para recreações, uma praça sequer oferece
equipamentos para a criançada, e por isto mesmo, estão no fogo, isto
mesmo, no fogo do abandono, aliás, na companhia de esgotos em todo o
núcleo habitacional, aliás, acompanhados da mais abjeta imundície,
acumulação de lixos, monturos, sujeira, eu mesmo fui vítima disto, pois,
ao colocar a mão em uma caixa de gordura para verificar o que um
adolescente havia atirado dentro, tive minhas mãos sujas de fezes, bem
no meio da rua, nessa rua que fica perpendicular ao Posto de Saúde.
Vale lembrar que o transporte é precário, não existe política de
mobilidade, a ausência de espaços de convivência é cristalina, nenhuma
política de criação de boa qualidade de vida, por falar em vida, muitas
delas correm risco, lá depois do Conjunto Mariz, bem pertinho da mata,
passa a tubulação do gasoduto e o lixo está sendo atirado em cima dessa
tubulação e muitos estão queimando o lixo sobre essa tubulação, aí, além
da infância no fogo, corremos o risco de termos uma “infância
explodida”, lamentavelmente.
De modo que antes de condenar a infância, pedir redução de maioridade,
prisão para esses infantes do fogo, os quais mais tarde serão
adolescentes, adultos, lembrem-se de condenar também, quem condenou suas
infâncias ao fogo e se não ocorrer providências, a explosão, esses são
os maiores culpados.
Por Marinho Mendes
Promotor de Justiça